quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

FLÁVIO DINO DIZ QUE NO MARANHÃO É FANTÁSTICO O ATRASO HISTÓRICO

Divulgo abaixo entrevista concedida pelo deputado maranhense Flávio Dino ao Portal AZ de Teresina. A íntegra da entrevista  foi-me enviada pelo presidente do PC do B, de São Luís, jornalista Márcio Jerry. Nela o deputado indica o perfil da atual situação econômica e social do estado e traça rotas para a superação do embate político de 2010 quando deverá ser o candidato a governador das forças políticas da esquerda do Maranhão.






"Eu tomei café com o governador Wellington e saio convencido que é possível eu ser o Wellington do Maranhão"



Ele trocou uma sólida carreira na magistratura pela política e virou um ferrenho opositor da família Sarney, no Maranhão. Deputado federal pelo Partido Comunista do Brasil(PCdoB), Flávio Dino desponta agora como virtual candidato a governador do Maranhão. O comunista diz que o Estado precisa de mudanças profundas e urgentes. “É fantástico o atraso histórico”, diz.

Nesta segunda-feira, 21, o parlamentar maranhense (que recentemente ganhou o prêmio de 4° melhor deputado do país - pelo Congresso em Foco) esteve em Teresina, para um encontro com o governador Wellington Dias(PT). “Nós maranhenses acompanhamos com muito interesse, porque é uma experiência bastante próxima de mudança, de renovação, de afirmação de um projeto de desenvolvimento que é inspirador para o Maranhão”, declarou.

O deputado federal, Flávio Dino, concedeu entrevista exclusiva ao Portal AZ. Confira:


Portal AZ: O senhor teve uma agenda com o governador do Piauí na manhã de hoje. Do que  trataram?



Dep. Flávio Dino: Nós tivemos uma conversa pela manhã. Foi uma visita de cortesia ao governador Wellington e ao mesmo tempo uma visita política. Primeiro de apoio à continuidade do projeto que ele lidera, de mudança do Piauí. Nós maranhenses acompanhamos com muito interesse, porque é uma experiência bastante próxima de mudança, de renovação, de afirmação de um projeto de desenvolvimento que é inspirador para o Maranhão. É uma visita que tem um caráter de cortesia, uma visita de final de ano e também uma visita política, de apoio recíproco; de empenhar o compromisso nosso, do PC do B, que aqui é representado pelo deputado Osmar Júnior. No caso, o PC do B do Maranhão é também solidário com o que o governador Wellington faz aqui no Piauí e ao mesmo tempo [quer] retirar experiências positivas para lá do outro lado do rio Parnaíba nós intensificarmos essa ideia de renovação que o Piauí conseguiu trilhar a partir de 2002.


Portal AZ: Processo de renovação que foi interrompido no Maranhão com a cassação do governador Jackson Lago.
Dep. Flávio Dino: Exatamente. Precocemente interrompido e nós precisamos reequacionar isso, reencontrar um caminho e nesse sentido ele mostrou com muito entusiasmos os indicativos, os indicadores de aprovação e nós saímos daqui certos de que é possível fazer isso no Maranhão.


Portal AZ: Desses indicadores que o Piauí possui, qual que o senhor, particularmente, gostaria que o Maranhão já tivesse alcançado?

Dep. Flávio Dino: Nós temos um contencioso instalado recentemente relativo à saúde. Houve uma medida da Prefeitura de Teresina, que é uma decisão administrativa que nós respeitamos, mas ao mesmo tempo ela é evidenciadora das carências do Maranhão. Em todo o Leste e Sul do Maranhão, tirando praticamente a capital São Luís, nós não temos como tratar os pacientes portadores de câncer. Esse dado, só esse, relativamente à qualidade, a eficiência da saúde já é reveladora dessa carência que nós temos.

Portal AZ: Pelo que chega até a gente, a intermediação desse problema junto ao secretário de Saúde do Maranhão é complicada. O senhor, como deputado, tem feito o quê pra resolver isso?

Dep. Flávio Dino: A questão central é essa. Há uma medida da prefeitura de Teresina e nós temos, evidentemente, que respeitar. Porém, ela cria problemas no Maranhão. Eu, como deputado federal do Maranhão, atuo em duas direções: primeiro nessa mediação, que depende essencialmente do Governo do Maranhão. Eu não sou, eu não integro o governo, mas como deputado maranhense eu não tenho não só o direito, mas também o direito de reivindicar de ambos os governos, dos dois lados, que possam chegar a um entendimento. E ao mesmo tempo [tenho trabalhado] para suprir as carências. Estou destinando para o ano quem vem uma emenda parlamentar para o município de Caxias para a construção de uma unidade especializada de tratamento de câncer de alta complexidade. Nós esperamos que Caxias assumindo isso... É um investimento de R$ 1 milhão para que Caxias assuma não só na cidade como na macrorregião, que são mais ou menos 80 municípios. E aí nós evitaríamos problemas de saúde no estado do Piauí.

Portal AZ: Isso evidencia, sobretudo, um atraso histórico.

Dep. Flávio Dino: Fantástico o atraso histórico. É dramático porque nós só temos serviço de atendimento de portadores de câncer em São Luís e Imperatriz apenas. No Maranhão inteirinho - 217 municípios, 6,5 milhões de habitantes, 333 mil km² – dois serviços de câncer. Esse atraso histórico é que nos motiva na luta política.

Portal AZ: Isso é falta de vontade política, desorganização administrativa? O que é, na verdade, que faz esses problemas perdurarem sem solução?

Dep. Flávio Dino: É uma soma de tudo isso. Em primeiro lugar uma gestão governamental historicamente voltada de costas para o povo e ao mesmo tempo a eficiência; eficiência mínima, porque você tem recursos em abundância. Não só recursos federais. Há inclusive possibilidade de parcerias com o Instituto Nacional do Câncer, mas também recursos próprios. O Maranhão terá no ano que vem um orçamento de R$ 9 bilhões, o PIB maranhense é de R$ 36 bilhões e nós estamos falando a construção de uma unidade especializada cujo orçamento entre edificação e equipamentos é de R$ 1 milhão. Então R$ 1 milhão em um orçamento de R$ 9 bilhões estatisticamente não é nada.

Portal AZ: E por que o Jackson Lago não fez quando foi governador? Pelo menos no discurso ela parecia ser diferente.

Dep. Flávio Dino: Esse é um grande ponto de interrogação que nós temos. Eu tenho duas respostas: a primeira é que não deu tempo; a segunda é que houve muito desacerto na condução do governo ali no começo que fizeram com que ele não conseguisse marcar uma diferença administrativa significativa e esse é um exemplo que demonstra isso.

Portal AZ: O senhor foi escolhido, pelo site Congresso em Foco, o quarto melhor deputado do país e pela terceira vez aparece em destaque na votação. A que o senhor atribui isso?

Dep. Flávio Dino: A atuação parlamentar diversificada. Uma atuação lincada, vinculada com os problemas do Maranhão, mas também a preocupação com os grandes temas nacionais. Sempre com a preocupação de trazer uma experiência anterior; fui juiz por 12 anos, o que deu uma experiência sobretudo na área jurídica. Então eu exporto essa experiência da área jurídica, essa experiência profissional para o exercício do mandato, focando em alguns temas que permitam uma inserção no debate nacional. Eu destacaria em 2009 a reforma política, a reforma eleitoral que timidamente avançou. Timidamente, mas avançou. Eu fui relator dela na Câmara. E a atuação na temática da segurança pública; é um tema que eu persigo desde o primeiro ano de mandato.

E mais recentemente, o debate que une o Maranhão ao Piauí que é o debate sobre o pré-sal. Eu tenho atuado muito em conjunto com o Osmar Júnior, o Marcelo Castro e o Júlio César. É uma frente multipartidária no caso do Piauí, eu sempre tenho contato com eles e nós temos atuado juntos; ajudado para que a emenda... as várias emendas que foram apresentadas tenham trânsito.

Portal AZ: O senhor já foi juiz, hoje é deputado e tem um trabalho voltado para a segurança pública. Como o senhor vê o velho problema que parece estar se agravando no país da “polícia prender e a justiça soltar”? O que está sendo feito para diminuirem essas brechas?

Dep. Flávio Dino: A questão central da segurança pública é a questão da justiça. Essa é uma abordagem que eu tenho feito desde o primeiro dia do meu mandato. Bem ou mal, o sistema de fiscalização, de investigação e de controle evoluíram no Brasil. O Ministério Público, as polícias em geral se equiparam, se qualificaram. O grande nó da chamada impunidade ainda é a morosidade da justiça, sobretudo em razão dessa sucessão de recursos. Recorre-se, recorre-se... É a diferença do uso para o abuso, é a diferença do remédio para o veneno.



"O recurso é o remédio correto, mas o abuso é um veneno no sistema, porque ele conduz a ter entre um fato e o seu julgamento definitivo, decorram dez anos. E quando esse resultado vem, ainda que seja um bom resultado, ele já é um mau resultado, porque a sociedade já nem lembra mais daquele fato."


Dep. Flávio Dino: Eu tenho trabalhado muito nas chamadas leis processuais. Nós já aprovamos seis ou sete leis bastante boas voltadas para essa ideia da agilização da justiça. Nós modificamos todo o rito do tribunal do júri. Eu li recentemente uma pesquisa mostrando que em São Paulo a velocidade ia cair para a metade, porque uma série de manobras protelatórias que eram possíveis de serem feitas, hoje não são mais possíveis. Houve uma lei, que eu fui autor do projeto, que permite que o Supremo e o STJ convoquem juízes de outras instâncias, sobretudo nesses casos chamados de foro privilegiado, que andam muito lentamente. Nunca teve nenhum caso de condenação nem no STJ, nem no Supremo de autoridades com prerrogativas de função que foram julgados. Então hoje nós criamos um mecanismo para agilizar esse processo.

E na semana passada eu fui o relator de mais um processo, também nessa área de segurança, que enfrenta um problema que é excepcional, mas que quando acontece é muito importante, que é o “juiz intimidado”. Então nós pegamos um pouquinho de experiência colombiana e italiana. Foi aprovado quarta [dia 16/12] a noite na Câmara. Ele é um projeto que permite, em casos de crime organizado – e vocês viveram esse problema aqui no Piauí -, que o juiz possa dividir a responsabilidade do julgamento com outros juízes, porque as vezes ninguém quer julgar. Nós criamos o sistema de diluição de responsabilidade: o juiz não vai dar mais a sentença sozinho.

Portal AZ: Também se fala muito em corrupção no judiciário brasileiro. Com a sua visão mais próxima do assunto, o que o senhor tem feito para diminuir esse sério problema do país? 
Dep. Flávio Dino: Eu fui o primeiro secretário do Conselho Nacional de Justiça; ajudei na sua implementação. Defendemos na época, ainda como juiz, a criação do CNJ e eu fiquei 10 meses lá. Meus últimos 10 meses na justiça foi como secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça – fiquei até março de 2006, quando saí pra ser candidato a deputado federal. E acho que essa é a maior contribuição com o judiciário e o próprio Congresso deram no combate à corrupção, que é real. Ela não é um discurso, ela é empírica, é fato. E o CNJ hoje... eu acho que tem resultados ao longo do tempo. Isso a gente tem que pensar historicamente. Há inclusive juízes aqui no Piauí que foram afastados por ação do CNJ, e no Maranhão também. Eu acho que esse é o grande mecanismo, o grande instrumento; você ter uma instância nacional que dê conta de apurar essas denúncias. Acho que é um êxito, está em processo de consolidação, mas nesses quatro anos já demonstrou que esse é o melhor caminho para combater esses casos.

Portal AZ: Com a cassação do Jackson Lago, o senhor acha que vai acontecer com a família Sarney o mesmo que aconteceu com o Hugo Napoleão, aqui no Piauí? Ele conseguiu derrubar o Mão Santa e assumir o governo, mas cavou a própria cova política.

Dep. Flávio Dino: Acho que a experiência do Piauí é bastante inspiradora nesse sentido. Há muita semelhança entre uma situação e outra. O que é importante é que se mantém um traço na política maranhense que é o exaurimento, o desgaste, a chamada “fadiga de material” – a população cansada do mesmo modelo e em busca de novos modelos. O que nós do PC do B hoje buscamos é encarnar esse sentimento de mudança, da busca do modelo; olhar para o futuro, olhar pra diante, juntar em torno de um programa as forças de renovação, reafirmar a bandeira da esperança e, portanto, evitar esse efeito de desarrumação e, com isso, construir um caminho novo para o Maranhão. Outros estados já conseguiram isso: o Ceará fez isso [a alternância do poder] já há bastante tempo; o Piauí é um exemplo nesse sentido. E o Maranhão acabou ficando como o último da fila, o último que não conseguiu ainda atrelar como se fosse um vagão que tá solto da locomotiva.

O Brasil hoje tem uma avenida de prosperidade econômica pela frente, isso é indiscutível, e ao mesmo tempo permanece essa marca da desigualdade regional e o Maranhão acaba sendo o último vagão porque não encontrou ainda o seu caminho político. Tanto é que agora recentemente o chamado Índice Firjan de Desenvolvimento Humano colocou o Maranhão em último lugar; o Maranhão atrás do Piauí, inclusive, considerados os indicadores de saúde, emprego e renda. Não há explicação econômica para isso, evidentemente; o Maranhão tem condições econômicas infraestruturais bastante favoráveis, inclusive em termos comparativos, porque você tem três ferrovias cortando o Estado, tem seis estradas federais de grande importância, um complexo portuário dos mais privilegiados do planeta, tem uma base produtiva de grande importância que se desenvolve em torno do complexo minério-metalúrgico e também do agronegócio, que também é expressivo. Tem possibilidade de expandir a agricultura familiar e a pesca, potencial turístico indiscutível... Nós temos a possibilidade de diversificar a base produtiva do Estado e transformar isso em um desenvolvimento com inclusão social, com justiça social. E isso não é um problema econômico, é um problema político. E essa é a razão pela qual a eleição de 2010 é fundamental, porque ela tá mais ou menos em uma encruzilhada histórica do Maranhão; como o Maranhão deixa de ser esse vagão que perdeu o trem do desenvolvimento do Brasil.

Portal AZ: Há muitas especulações sobre as eleições para o próximo ano. Falam que o senhor é pré-candidato ao governo, mas falam também que o senhor pode se candidatar ao Senado ou ainda ir para o STF, com manobra do próprio presidente Lula, deixando o caminho livre para a reeleição da Roseana. De todas essas especulações, o que é verdade e o que é mentira?

Dep. Flávio Dino: As especulações são tão contraditórias que eles mostram que têm uma coisa em comum: todas são falsas. As especulações são tão diversificadas que elas se negam. A melhor forma de negar todas elas é afirmar uma ideia: eu tomei café com o governador Wellington e saio convencido que é possível eu ser o Wellington do Maranhão; ser aquele que lidera um projeto de renovação, projeto de mudança. Essa é a ideia. Ideia número um, o plano “A”, a única ideia e o único plano.

Portal AZ: É trabalhar a candidatura o governo?

Dep. Flávio Dino: É isso. Estamos trabalhando já, intensamento com isso, construindo uma frente modernizadora, renovadora, desenvolvimentista, ancorada nos movimentos sociais, na tradição de luta popular do povo do Maranhão, de luta social, luta pela reforma agrária no Maranhão, que é uma questão central. Uma frente, portanto, que tenha um programa de mudanças autênticas, ancorada em um projeto nacional e que se expressa partidariamente, evidentemente, pelo meu partido e pela busca do chamado campo democrático popular. Nós não temos uma visão de exclusão de ninguém, mas uma visão de unificação inicial desse chamado campo democrático popular, que tem o PT como uma referência central.

Portal AZ: Já existem alianças em vista? Com quem o senhor já conversou?

Dep. Flávio Dino: Olha, nós temos conversado muito com o PSB, naturalmente. É um parceiro nacional do PC do B, inclusive. Integramos o mesmo bloco parlamentar na Câmara – o bloco é formado por PC do B, PSB, PMN e PRB. Então, em primeiro lugar buscando unificar no Maranhão o campo parlamentar que nós temos, com destaque para esses parceiros. Abrimos uma discussão também com o PPS, que hoje tem um projeto próprio no Estado; o PPS apresentou candidato próprio a governador no Maranhão. E ao mesmo tempo temos a discussão com o PT. A questão central é o apoio do PT, que se vincula a essa disputa interna do PT [do Maranhão], que ainda está em curso. Nós temos que respeitar o ritmo dos outros partidos; nós não temos nenhuma opinião a dar sobre a luta interna no PT. Não seria adequado, já que nós somos de outra agremiação. Assim como ninguém dá opinião nos nossos assuntos, ninguém dá opinião nos assuntos alheios. Temos boas relações com todas as correntes internas do PT do Maranhão; uma excelente relação. Eu próprio fui do PT por sete anos.

Portal AZ: E há possibilidade de aliança entre PC do B e PMDB no Maranhão?

Dep. Flávio Dino: No atual contexto, nenhuma possibilidade.

Portal AZ: É que dizem que em política tudo é possível.

Dep. Flávio Dino: Tudo é possível em tese, né? Abstratamente; você olhando o mundo abstrato. Abstratamente é possível uma aliança PC do B – PMDB no Piauí? É! É possível no Ceará? É! É possível no Rio? É! Só que o mundo não é abstrato. Você fala de realidade política concreta e no quadro que se produz, na cena política maranhense essa aliança não é possível.

Portal AZ: O Lula disse que nos estados onde não for possível unir os aliados, quer ter mais de um palanque para a Dilma. No Maranhão, se o senhor for candidato, a Dilma terá um palanque?

Dep. Flávio Dino: Nós estamos aguardando, até porque nós temos uma relação muito fraterna com o PSB e o PSB mantém a pré-candidatura do Ciro [Gomes]. Essa é a razão pela qual o PC do B ainda não definiu formalmente qual será o seu apoio. Nós temos uma propensão pela continuidade do projeto... de se manter no chamado “campo Lula”. E quem expressa hoje essa opção pela continuidade com mais reforço é a candidatura da Dilma, mas como nós temos também a candidatura do Ciro no mesmo campo político de um partido co-irmão, o PC do B no seu 12º Congresso considerou mais adequado não decidir ainda e aguardar o fluxo, as conversas entre os vários partidos. Nós do PC do B vamos aguardar as definições, embora a propensão mais forte seja apoiar a candidatura da Dilma.

Portal AZ: Como é a sua relação com essa nova direção do PT?

Dep. Flávio Dino: Nós estamos aguardando acabar o processo interno do PT. O Monteiro é um amigo de mais de 20 anos. Eu atuei como advogado do sindicato que ele dirigiu... o Monteiro é uma pessoa com a qual eu tenho um grande relacionamento pessoal e político. Participou da minha campanha de prefeito, lá em São Luís, e tenho certeza que no nível partidário – eu como presidente estadual do PC do B; ele como presidente estadual do PT – vai ser uma dupla que vai fazer muitos gols na política do Maranhão.


domingo, 13 de dezembro de 2009

CHEGOU JURISCULTURA


Jur!sCultura! surgiu não só para integrar o mundo do saber jurídico, mas para lembrar a seus leitores que as leis são produzidas a partir do tecido social e por isso refletem o estágio cultural de uma sociedade.

Só por isso já seria de louvar a edição de seu primeiro número, ocorrida neste mês de dezembro. A publicação é uma iniciativa da Associação dos Magistrados do Trabalho do Maranhão, a AMATRA XVI.

Parabenizo o presidente da entidade o Juiz Érico Renato Serra Cordeiro e também o diretor cultural e social da associação o Desembargador James Magno Araújo Farias por superar as dificuldades e trazer à luz uma revista que, ao falar de justiça, não deixou de evidenciar que a formação da vida de cada pessoa tem muitas outras dimensões. A sensibilidade do novo veículo fica logo a mostra na capa que traz o belo quadro Santa Clara do grande pintor maranhense Fransoufer cujo trabalho é enfocado na página 28.

Mas, muitos que estão acostumados a imaginar nossos juristas atidos em meios a processos volumosos e sentenças infindáveis, serão surpreendidos com os pendores literários de nossos juristas. Estão lá para nos lembrar disso artigos como Clube da Esquina 2, de Érico Cordeiro, preciso na informação, sonoro e cheio de emoção sobre um disco antológico para música brasileira, também O encontro entre cinema e pintura, pela cineasta Maria Thereza Soares. Há entrevista valorizando a experiência e a memória e, ainda, uma excelente resenha do livro de Tony Judt Pós-Guerra: uma história da Europa desde 1945, por James Magno. Mas continue folheando a revista e se deparará com o carinhoso e engraçado conto Uma escova e uma história de Bruno Motejunas. Está tudo lá juntamente a artigos sobre as coisas do direito como o tema do assédio moral, por exemplo, tão presente no dia a dia das empresas e dos trabalhadores brasileiros.

Jur!sCultura! é uma revista informativa, leve e inteligente que não fala só ao público do Direito e deve estar nas mãos de todo havido leitor. Torço por uma maior divulgação e grande sucesso. Vamos logo ao número dois!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

UM FESTIVAL QUE DEU CERTO















Ontem foi apenas o segundo dia, mas já estou saudando os realizadores do II São Luís Baixo Festival Internacional que foi considerado por Celso Pixinga como o melhor festival de baixo do Brasil. O festival ocorre em São Luis de 16 a 19 de novembro. A entrada é franca nos shows e há uma pequena taxa no master class.
Com produção de Silas Duarte em parceria com a revista Baixo Brasil, o festival cumpre seu objetivo ao reunir grande número de jovens contrabaixistas de todo o País, revelando novos talentos, disseminando a troca de conhecimentos, além da aprendizagem de outros.
Outro resultado direto é que ajuda a mudar a forma de encarar a carreira musical por estes jovens artistas, aumentando-lhes inclusive o grau de profissionalismo e apuro técnico e, é claro também que um evento deste porte tem reflexo ao longo prazo na formação de maior platéia para a música instrumental, o que é mais que louvável, quando se considera o ínfimo espaço que a mídia convencional oferece para divulgação do trabalho dos músicos no Brasil.
Coube a Arthur Maia abrir o festival, ainda no dia 16, com show magistral no teatro o Artur Azevedo para um público entusiasmado. O baixista nos brindou com sua apurada técnica; foi uma apresentação muito alegre e contagiante. Podia-se perceber a satisfação de Maia por estar no festival e em sintonia com o público. Entre outros, fez um tema de Jamil Jones que me deixou com a melodia da música até agora.
A estrutura do evento conta a realização de master class pelas manhãs e shows noturnos; e estão presente artistas do quilate de Arthur Maia, Adriano Giffone, Celso Pixinga (também idealizador do projeto que ocorre em várias cidades brasileiras) e, especialmente na edição de São Luis, com os mestres da Universidade de Berklee e do Bass Institute of Technology, de Los Angeles, os maravilhosos musicistas norte americanos Jim Stinnett, Grant Stinnett e Todd Johnson.
Aliás, a apresentação deles foi de tirar o fôlego. Um jazz primoroso, envolvente na beleza da execução e na comunicação com o público. Jim Stinnett é jazz com corpo todo e parece sempre está feliz no palco. Ontem (18) quem se juntou ao trio foi o baterista maranhense Isaias Alves que atuou de forma sublime. Para nós não foi nenhuma novidade, mas o fato é que Jim Stinnett o elogiou por ser um grande baterista de jazz. Quem sabe venha uma bolsa de Berklee por aí. Seria de grande merecimento.
É interessante ouvir essa moçada executando tantos ritmos e gêneros diferentes. Uma hora o baixo é melódico, noutra é harmônico ou percussivo. Não pude frequentar o master class, que iria só como curioso apenas para acompanhar o desenvolvimento do ensino da técnica já que não sou músico.
Mas uma coisa que definitivamente me comoveu foi verificar que todos os dias um público crescente e entusiasmado com a música comparece ao Centro de Convenções Pedro Neiva de Santana para acompanhar o evento. Estimei o público de ontem em 800 pessoas. E o que comove é o fato da platéia ser formada por um grupo de pessoas muito novas. Bem, a galera ali tem, pelo menos a maioria, entre 15 a 25 anos. Todos se envolvendo com a música de uma forma ou de outra. Mal é que não fará.
Porém, infelizmente, há notas tristes a falar: evento todo pronto, passagens já tiradas, compromissos assumidos e apoios e patrocínios acertados. Eis que a Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão dá pra trás e pula fora do barco, deixando Silas na mão. Ou melhor, correndo como louco para salvar o festival. Por que será que é tão difícil conseguir investidores para os eventos de música instrumental por aqui? Pior é quando isso parte da própria Secretaria de Estado a quem deveria mais interessar a promoção da cultura.
Entretanto, mesmo sem poder contar com parte dos impostos que cada um de nós pagou, estou assistindo a um festival rico em generosidade e talento graça ao grande esforço da equipe de produção. Salve Diórgenes Brasil e Mauro Sérgio por ser incansáveis e dedicados ao instrumento que tanto amam. Não se preocupe Silas o festival é a salvação.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A CORDA


Publicado originalmente no livro Coisas de Augusto Pellegrini, o conto A Corda contextualiza os desvãos da vida de seus personagens a partir de um determinado ponto de vista originado em Freud. Vai mais além disso. Usa como mote a abordagem psicanalítica para nos mostrar como tão esquisitos e estranhos nos tornamos e até nos desconhecemos. É quando nos negamos ao perceber que somos capazes de fazer o contrário de nosso ideário. O fracasso é um calço que pesa no calcanhar do sapato e impede a caminhada. Quem se reconhece?!

Por: Augusto Pellegrini

Sigmund falou, e não foi para mim. Escreveu livros, teceu comentários, expôs teses, realizou conferências. Pois bem. Não estive presente a nenhuma, não discuti as suas teses; não li nenhum livro seu. Não comentei seus comentários. Sigmund falou, e não foi para mim. Nem sequer para o Zacarias.

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A corda.
A corda balança como se na extremidade balançasse um cadáver. Um fio de prumo no prumo, dependurado, preso lá no alto do prédio, passando em frente da janela que é só vidro, no décimo primeiro andar, altura suficiente para um homem sentir as sensações de Ícaro, projetar-se nos ares, voar sem asas.Eis a corda.
A corda balança ao sabor do vento e bate na parede corrugada de concreto ao lado do fio de telefone e do pára-raios, prendidos com grampos.
A corda está arrebentada, criminosamente arrebentada na altura do décimo primeiro andar, mas puxada para baixo pelo peso do morto enquanto vivo, agora pende frouxa até o nono.
E o andaime lá no chão, aos pedaços.

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Uma das minhas ocupações prediletas é fazer cinema; registrar fatos na máquina e depois colar os pedaços de celulóide, para ver os efeitos.
O dia e a noite passam, os olhos ardem e as costas reclamam, a gente trabalha meio em pé e meio sentado, só pelo prazer de ver a coisa chegar a um fim, montando filmes sem cessar e sem cansar o espírito, é só não se concentrar no mundo profano que nos cerca – os bares repletos e a alegria nas ruas – senão saio correndo do laboratório, paletó nas mãos e cheirando a tetracloreto, enjoando o fígado do ascensorista, e vem a desconfiança de não ter dado a atenção devida à namorada que espera.
Arte é arte.
Estava assim absorto nas minhas artes quando surgiu Zacarias, de tez escura, magro e alto, de cavanhaque e sotaque, a preocupação juncando a testa e o pavor ondulando os músculos da face. Tivesse eu uma filmadora às mãos e descarregaria toda a sua corda sobre o seu semblante, para alguma coisa iria servir algum dia, com certeza.
- Olá, professor! Foi ele dizendo para introduzir a conversa. Eu introduzia o negativo no editor. Ele não prestava atenção.
- Olá, Mestre Zacarias! – respondi eu. Este tratamento nos era familiar.
Sua silhueta com cavanhaque se desenhava numa tela, à minha direita. Suas mãos gesticulavam, nervosas.
- Estou num mato sem cachorro. A polícia anda atrás de mim.
Estava suando.
O que queria ele que eu fizesse, que o escondesse? Que declarasse em praça pública conhecê-lo e dar fé jurada que era inocente? Facilitar sua fuga para o exterior?

Que ele era inocente eu não tinha dúvida, apesar de não saber qual era o crime, apesar de não saber se havia crime. Afinal, a polícia poderia estar atrás dele em busca de um testemunho, ou para encaixá-lo num batalhão de investigadores, ou simplesmente para condecorá-lo. Sim, porque Zacarias merece uma condecoração, mil condecorações. A Cruz de Santo Inácio, a da Ordem das Azáleas ou das Ajácias, ou a do Grande Cã.
- Eu fui pra praia sexta-feira à noite – começa ele a contar.
- A noite estava clara e quente, e eu suarento. Peguei minha roupa de banho e de baixo, apanhei um ônibus e fui pra praia. Não tenho testemunhas, mas estive lá. A praia estava clara e quente, e eu suarento. Era noite, mas mesmo assim tomei banho de mar – você já fez isso? É uma beleza, as ondas estavam altas, a praia deserta e a água vinha molhar até quase o fim da areia, a lua parecia maior, ou era o contraste com o fundo negro do céu. Água de coco gelada, e o cheiro do mar.
- Tudo maravilhoso. Até esqueci do meu apartamento, dos meus livros. Do lado de fora do meu apartamento tem um monte de andaimes, os pintores estão pintando, e tem uma corda que passa bem em frente a minha janela. Uma corda grossa, cheia de nós, para segurar a madeira e o pintor sentado nela.
- Pois bem, comigo mora aquele paraguaio, ou boliviano, eu nem sei direito, aquele que pinta quadros de fetos carecas, o Jeremias, incapaz de fazer mal a uma mosca. Ele também não estava em casa na sexta-feira à noite, foi se encontrar com uma mulher, foram para uma boate, e ele voltou só de manhã cedo, cansado demais para ficar acordado, e dormiu.
- O outro rapaz que tem a chave do apartamento disse que chegou lá por volta das onze da noite e saiu antes de o Jeremias chegar, acompanhado, é claro, e não sabe de nada. Disse que não iria se preocupar com coisa alguma, dada a categoria da mulher que estava com ele. Só vendo pra crer.

Até aqui eu não tinha entendido coisa alguma sobre a perseguição da polícia. Ninguém pode ser perseguido pela lei só por morar em um apartamento que tem livros do chão até o teto, livros no guarda-roupa e no banheiro, livros em cima da cama, quadros com figuras folclóricas, cartazes de cinema e de teatro, bonecos de barro, retratos de mulheres nuas de frente e de costas espalhados por toda a parede e rolos de filmes, mesmo com um boliviano, ou paraguaio, amigos de chave, e muito menos ou principalmente por ter uma corda dançando em frente à janela.
- Estou ficando maluco. Cada vez que acordo, olho a corda e escuto a polícia batendo na minha porta e me levando aos berros pelo corredor cheio de eco e me atirando num elevador e numa cela, e ditando a minha sentença.
- Cortaram a corda, professor, cortaram a corda com canivete ou tesoura, bem na cara da minha janela!” Agora eu compreendia. Cortaram a corda. E daí?
Põe outra corda no lugar, paga o prejuízo para os pintores e uma cerveja para o zelador, faz uma festinha de comemoração e convida o Jeremias e o amigo da chave com duas ou três mulheres extras, e deixa o uísque com água de coco rolar sobre os livros de direito e sobre as barrigas lisas.
- Naquela tarde eu estava fotografando uma modelo lá no apartamento. Aquelas poses para publicar em jornal vagabundo, a perna levantada, a saia arregaçada e a blusa desabotoada, você sabe.
Eu sei.
- De repente, a corda se distendeu mais do que devia e depois afrouxou. Ao mesmo tempo ouvi um grito, parecia o som de uma sirene, que foi sumindo e terminou com o barulho de telhas quebradas. Não tive coragem de olhar. A câmera tremia, o tripé tremia, o prédio tremia. A modelo abotoou a blusa, ajeitou a saia, se debruçou na janela e viu o corpo torcido no telhado cinza, lá em baixo, esborrachado como um tomate.
- Agora eu compreendo. Mas você não precisa ter medo, pois estava na praia, naquela lua grande, no coco verde, na areia molhada, se divertindo no calor da noite, enquanto alguém cortava a corda.

- A perícia foi quem descobriu que a corda estava cortada. Também, estava de um jeito que não precisava ser perito pra ver. Não sei, não sei, estou apavorado. Acordo todos os dias e vejo a corda balançando, acenando para mim, me convidando para um passeio pelos ares. É um entra e sai de policiais o dia inteiro. Vou acabar ficando louco. O Jeremias jura que não foi ele, tem certeza que não foi ele, pois ele não abre a janela à noite, porque tem frio. (Mas era quase manhã, e o calor está medonho...).

- Tengo frio, y en este piso hace aire demás. No vi cuerda ninguna. No uso navaja. Y, además de eso, estava borracho, era madrugada, era sábado.
“?Que me importan las cuerdas?
- O zelador me olha com olhos de inquisição. Eu já nem tenho certeza do que se passou. O Jeremias eu sei que não foi – ‘la Libertad no consiste en hacer lo que se quiere, sinó en hacer lo que se debe, decia Campoamor’ – Jeremias vive usando frases feitas e convenceu até as paredes de que é inocente.

- O outro rapaz, o da chave, diz que nunca pediu para ter chave alguma, que foi oferta da casa, e que não iria complicar a vida de ninguém – muito menos a dele – além de outras justificativas cheias de lógica. Resta a mulher, talvez ela tivesse se levantado sorrateiramente e cortado a corda enquanto ele dormia placidamente; mas por qual razão haveria ela de cortar a corda, assim sem mais nem menos?
Estou impressionado com a narrativa do Zacarias. Ele sai – “adeus, professor!” – (será que vai se suicidar?) com uma gravura debaixo do braço, os ombros balançando de um lado para o outro, o cavanhaque suado e a porta batendo à sua partida.
Volto então aos meus filmes, e a corda agora balança na minha mente. Não tenho nada a ver com o acidente, com o incidente, mas Jeremias tem os seus bons motivos, não pode se complicar ou é deportado, encaixotado e carimbado como um amontoado de arenques – este lado para cima. O outro da chave pode jogá-la num abismo ou num rio, há tantos rios por aí cheios de lodo, quem é que iria procurar uma chave nos intestinos de um rio canalizado? Se bem que o sumiço da chave não prova nada, existe a também a mulher, que bem poderia ter sumido com uma daquelas estatuetas raras que ficam naquelas estantes povoadas de livros – metafísica, dialética, dietética – e vai ver que sumiu mesmo.
É mais fácil achar uma chave no fundo lodoso de um rio do que notar a falta de um elefante naquele apartamento, principalmente se for de marfim. O zelador não iria escalar a lateral do prédio e ficar com as unhas esfoladas, nem subir pela corda e ficar com a palma das mãos pior que as de Cristo depois que lhe pregaram os pregos, para cortar a corda na altura do décimo primeiro andar e correr o risco de cair com ela – subiria no máximo subiria até o quinto – e o pintor, se quisesse se suicidar, tomaria um balde e meio de verniz e teria uma disenteria de envenenar o mundo antes de dar a sua última contorção.
Agora abandono os filmes de vez e acendo a luz fluorescente que fica no teto sobre a minha cabeça. Arrasto o banco para trás e cerro os olhos. Já faz muito tempo, muitas horas, que estou trancado aqui neste estúdio, sem comer e sem dormir. Isto não é uma cela, nem internato, o que estou fazendo aqui que não vou embora?

Já nem sei o que tenho feito, ao certo, os dias e o calendário já perderam o significado e o sentido.
Ponho a mão no bolso – o que é isto!?
É uma chave.
Vejamos – minha não é, pois a minha é verde. A do estúdio também não, que se fecha com cadeado. Também não é chave de carro, e eu não tenho carro. Lembro-me com clareza que esta chave me foi dada pelo Zacarias, faz mais de um mês. Eu havia deixado um álbum de músicas clássicas sobre a sua cama, e temi que se transformasse em pedestal para uma pilha de livros, então ele me deu a chave para eu ir buscá-lo. Mas... então eu também possuo a chave do apartamento! E ela queima a minha mão como um talismã do inferno.
A corda.

Zacarias não foi, estava na praia. Jeremias não foi – que lhe importam as cordas? O amigo não foi, vai jogar fora a chave, e assim perder a oportunidade de novas aventuras. A mulher prefere roubar elefantes, e a modelo cuida mais de fotografar semi-nua. O zelador não tem mais idade para ser alpinista, e o pintor morreu como um tomate.

Só restamos nós, eu e a chave.
Já nem tenho certeza de que fechei a torneira ontem, ao sair de casa. Já nem sei se foi ontem. Fecho outra vez os olhos e nem sei a cor da minha camisa, e se ainda sei que estou de camisa é porque me apalpo e a sinto. E a namorada – estará pacientemente me esperando em alguma parte do mundo?

Como posso ter certeza de que não fui eu quem cortou a corda, deslizando como um réptil em direção àquela janela?
Estou começando a sentir enjôo, gravidez é claro que não é, nem maresia. É medo.

Mestre Zacarias me transmitiu todo o seu pavor e toda a sua lógica ilógica.
O que é que eu andei fazendo por aí, se ainda estou com a tesoura entre os dedos? Cortando filmes ou cortando cordas? Escapando da polícia, trancado aqui neste quarto?

Terei sido eu?


-0-0-0-


Sigmund falou sobre isso, e não foi pra mim. Talvez para estes loucos, que me rodeiam.

Será que previu algum dos meus dias?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

LENÇÕIS JAZZ E BLUES FESTIVAL: BARREIRINHAS NA ROTA DO JAZZ


É com prazer que divulgamos a resenha de Augusto Pelegrini sobre o festival de jazz e blues, que ocorreu em Barreirinhas, e do qual foi o apresentador oficial.
Parabenizamos a equipe organizadora do evento, desejando maior sucesso ainda na realização da segunda edição do evento.

Por Augusto Pellegrini

Mesmo sofrendo os percalços naturais de um empreendimento pioneiro, o 1º Lençóis Jazz & Blues Festival se revestiu de sucesso. A organização, a cargo de Tutuca Viana e Ivaldo Guimarães, teve que enfrentar imensos problemas de logística em virtude das peculiaridades do evento, realizado em um confortável resort próximo à cidade de Barreirinhas. O acesso do público foi um pouco dificultado por conta da carência de uma sinalização adequada. Isto, aliado a algumas informações controvertidas sobre a venda de ingressos, resultou num público aquém do esperado, embora animado e participativo. O Resort Lençóis Maranhenses, local das apresentações possui um glamour especial por conta do seu belo visual externo, que é moderno, confortável e divertidamente decorado com galinhas de terracota. O clima estava agradável, o serviço de boa qualidade e todos os ingredientes estavam presentes para proporcionar um programa de alta qualidade. A primeira noite contou com a abertura impecável do trio de Jayr Torres, com Jayr na guitarra, Carlos Raquete no baixo e o premiado Isaías Alves na bateria. A bela apresentação do trio não chegou a ser ofuscada por alguns problemas de sonorização e por um humming constante que era perceptível durante as pausas, felizmente solucionado a tempo. O trio passeou entre o jazz convencional e algumas interessantes leituras de música maranhense inserida no jazz. Na seqüência apresentou-se o trompetista novaiorquino radicado em São Luís Jim Howard III, líder, arranjador e criador da Infinity Jazz Band. Também devido à logística, Jim não pode levar a totalidade dos seus músicos, o que de certa forma comprometeu a sua performance, pois ele teve que improvisar algumas músicas utilizando apenas um trombonista, um baixista e um baterista como combo. O punch final contou como duas saxofonistas e dois outros trompetistas quer buscaram criar um clima de big band ao sair dando voltas no meio do público durante a interpretação de “WhenThe Saints Go Marchin’ In” A noitada foi encerrada com um verdadeiro show de técnica e competência oferecido pelo performático gaitista Engels Espíritos, acompanhado pelo seu parceiro Rafa Dorneles na guitarra, ambos perfeitamente assessorados pelo não menos perfeito Carlos Pial na percussão. O trio interpretou algumas músicas do próprio Engels, numa pegada alegre e movimentada de country-blues e rhythm & blues. A segunda noite teve solucionados os problemas de sonorização e humming, e começou no embalo do blues e do rock-a-billy com o extraordinário Edson Travassos – leia-se “Manifesto Blues”, sua marca registrada – acompanhado pelos essenciais Oliveira Neto na bateria e Samy “Sam” Aranha no baixo. A banda continuou no palco para receber Jefferson Gonçalves, um gaitista completo que soma o som do blues às mais diversas correntes e nuances da música instrumental moderna, extraindo do seu instrumento muita alma e muita técnica – às vezes ele passa a impressão de que são dois gaitistas tocando melodia e harmonia ao mesmo tempo – viajando do Delta do Mississipi até a zona agreste do nordeste brasileiro (um determinado espectador mencionou que Jefferson parecia ter “duas bocas” para extrair tal som!).

Finalizando as apresentações, o percussionista Luís Cláudio brindou o público com uma excelente performance solo, tendo como apoio musical uma trilha gravada com sons que variavam do etéreo ao instrumental popular, à qual acrescentou diversos efeitos percussivos de grande riqueza sonora.

O ambiente do Festival começou a ser sentido antes das apresentações, com um inusitado cortejo musical pelas ruas da cidade de Barreirinhas proporcionado por Jim Howard III e os membros da sua Infinity Jazz Band, criando nos moradores um clima de surpresa e estupefação, (o que está acontecendo por aqui?!) e terminou no palco do resort na sua segunda noite, deixando aquele gosto de “quero mais” na boca do público. Louve-se o trabalho da jornalista Patrícia Santiago, responsável por levar o som do Festival para além fronteiras do Maranhão por seus valiosos contatos com outros assessores de imprensa, jornalistas e produtores culturais de diversos setores artísticos, além do seu suporte inestimável dado à organização, da qual ela passou definitivamente a fazer parte. Estamos em contagem regressiva para o 2º Lençóis Jazz & Blues Festival, daqui a um ano, quando teremos, sem dúvida, novas e surpreendentes atrações. Quem viver verá.

domingo, 18 de outubro de 2009

OITICICANA



sem parangolés nem patrões
que a chama apenas se extinga
no mau cheiro da carne tórrida.
desvão da arte comida
que comove
mar de gente
um vergonhoso fogo amigo
que não suporta mais o tempo.


(poesia dedicada a Hélio Oiticica.)

domingo, 11 de outubro de 2009

BOLINHAS DE AÇO


Tinha, naquela hora, ganhado a rua pra comprar jornal na banca de revistas como desculpa para passar o tempo.
Encontrava-se em meio à balbúrdia dos carros que passavam num frenesi de motoristas que se apressavam na volta para a casa como a evitar o engarrafamento do trânsito. Na cabeça só pensamentos esparsos e incertos. Foi quando se deparou de forma surpreendente com uma prosaica esfera de rolamento, suja de graxa espessa e com muita terra ao seu redor. Logo ali aos seus pés estava o objeto que lhe era tão familiar e que lhe abrira, naquele momento, as portas de uma viagem vertiginosa para dentro. Um busca que lhe pareceu estranha.
Depois de tanto tempo ela estava de novo como a reclamar o significado de uma vida e uma grande espera.
Como se o convite fosse feito, ele a recolheu do chão e pôs-se a rir num contentamento que o deixava nervoso. Tratou logo de cuidar da bolinha, limpando-a de cada grão de terra em meio a óleos desgastados com um carinho esmerado. De repente, voltou-lhe a lembrança da infância, quando havia muita luta da criançada nas disputas dos jogos de peteca, pois quem possuísse as maravilhosas bolinhas de aço leva vantagem no jogo. Era na época de chuvas que a brincadeira corria solta e que a algazarra dos meninos se completava num corre-corre de um lado para o outro. Tempo de pés enlameados e de cheiro de terra molhada que naquele momento lhe tomava as narinas novamente. Aquelas bolinhas tinham peso e personalidade; diziam-se de aço e prestavam-se muito bem, ao atingir as petecas de vidro dos adversários, para quebrar-lhes as almas. Tec! E pronto. Uma banda para cada lado era o espólio e o resultado de míticos duelos. Choro peremptório do perdedor ante o riso insolente do dono da peteca de aço. Era difícil encontrar aqueles tesouros de aço e por isso, agora ele sabia, sorrira tanto ao reencontrá-la ali graciosamente depois de tantos tempos e ao alcance de seus olhos. Era como se dali saísse correndo para uma infância que há muito deixara guardada em algum escaninho de quimeras. Tinha novamente trazido pra si a beleza daquela vida de inocência e de generosidade. Resgatou a convivência de amigos que se perderam pelos caminhos. Mas agora não; todos estavam ali juntos mais uma vez para de novo brincar de peteca, contar estórias e correr descalços pelas ruas. Todos na sabedoria da memória que recupera vidas num segundo.
Então tornou a olhar fixamente a esfera agora já limpa nas mãos. Mirou-a mais uma vez e sentiu-se ante a um espelho provocado pelo brilho intenso que reluzia na sua frente. Deixou de ser criança e voltou, pouco a pouco, para seu corpo adulto, alquebrado por tantas idas e vindas próprias a existência de um homem de cenho forte e já maduro. Mas era diferente o riso que mostrava agora entre os dentes.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

UMA PROSA DE JAZZ COM AUGUSTO PELLEGRINI


augusto pellegrini festejando seu canto
Comemorando a realização do 1º LENÇÓIS JAZZ AND BLUES FESTIVAL, que ocorre no dias 10 e 11 de outubro, em Barreirinhas, no Maranhão, publico abaixo a íntegra da entrevista virtual dada por Augusto Pellegrini (jornalista, cantor de jazz e autor do livro Jazz:das raízes ao pós-bop, publicado pela editora Códex) à jornalista Inara Rodrigues do Caderno Impar de O Imparcial.

Augusto Pellegrini será o apresentador oficial do festival e a programação faremos a divulgação aqui no blog.


Caro Augusto, aqui vão as perguntas. Desde já agradeço a colaboração. Um abraço. Inara Rodrigues.

1- Fale da sua carreira musical. Quando a música entrou na tua vida e como foi esse processo da iniciação musical até hoje?
Eu tenho três carreiras musicais. Uma, a mais natural, é como apreciador, pois foi aí que tudo começou. Ainda adolescente, comecei a me interessar por alguns discos que ouvia na casa de parentes e que diferiam fundamentalmente daquilo que era tocado no rádio, Entre as preciosidades, peças de jazz orquestrado (Benny Goodman, Artie Shaw, Harry James), chorinho (Jacob do Bandolim, Severino Araújo, Luiz Americano), música erudita ou semi-erudita (Chopin, Tchaikovski, Strauss), orquestras (Mantovani, Percy Faith, George Melachrino) e até tangos de Carlos Gardel. Comecei a me aprofundar na coleção e no conhecimento do jazz e logo depois que cheguei em São Luís, em 1982, comecei a fazer o programa Mirante Jazz na Rádio Mirante FM. Como sempre gostei de cantar e era incentivado a fazê-lo, comecei a partir de 2000 a utilizar as nuances e as improvisações do jazz como cantor, tendo me apresentado em diversos bares, restaurantes e teatros de São Luís.

2- E o jazz, sempre te acompanhou nessa trajetória? Fale um pouco dessa experiência com o jazz.
Minha experiência com o jazz é bastante estranha, porque não toco nenhum instrumento mas costumo dizer que tenho "um ouvido de elefante" pois assimilo perfeitamente os sons e as harmonias, e consigo reproduzir vocalmente os elementos do jazz. O jazz faz parte da minha vida como uma contribuição cultural muito importante.
3- Fale do seu programa na rádio. Quando começou, como surgiu a idéia, como é o roteiro, o que toca etc.
O programa Mirante Jazz começou em 1982 e durou até 2004, quando saí da Rádio Mirante e ingressei na Rádio Universidade, onde estou até hoje. A partir de então ele se chama Sexta jazz. A idéia surgiu durante uma feijoada na minha casa, quando um amigo, Armando Le Fosse, encantado com o material que eu possuia sugeriu que devêssemos fazer um programa do gênero. Ele procurou a Rádio Mirante e negociou o programa com eles. Fomos parceiros na emissora até 1985, quando ele foi embora de São Luís, e eu passei a produzir e apresentar sozinho. A idéia é tocar todas as vertentes possíveis, com ênfase para o jazz do século 20 - desde o tradicional até o pós-bop - e de mesclar música com comentários pertinentes (músicos, compositores, curiosidades, etc.).

4 - Como está o movimento jazz em São Luís? Ele está acontecendo? Há espaço? O que falta?
O movimento do jazz em São Luís está melhorando consideravelmante. Hoje em dia o jazz já consegue levar público para as apresentações, diversos músicos se engajaram no estilo e outros músicos estão se engajando. É um processo lento, pois o músico de jazz precisa ouvir muito para entender as minúcias e as particularidades musicais, que não são poucas, a fim de obter o feeling necessário para a sua interpretação. Os espaços para apresentações de jazz estão aumentando timidamente graças a muitos heróis que se dispõem a trabalhar até de graça para que os shows aconteçam. Falta um imcentivo maior de produtores e patrocinadores que possam ver no jazz não apenas uma aventura musical curtida por uns poucos diletantes, mas como um negócio que dê público e retorno financeiro. Falta a coragem dos patrocinadores para venderem um produto classe A.

5 - Quem são suas referências no jazz?
São muitas. Cada época e cada tipo de instrumento tiveram uma contribuição importante no meu comportamento de jazzófilo. Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, John Coltrane, Dave Brubeck, Chet Baker, Joe Pass, as bandas de swing, e vocalistas como Billie Holiday e Ella Fitzgerald são algumas das minhas referências.

6- Por que o jazz? O que sente ao ouvir e tocar ou cantar jazz?
Porque o jazz embute uma mensagem que extrapola a música. O jazz mexe com o sentimento do artista e do ouvinte devido à liberdade que o artista tem para criar e improvisar. O jazz instrumental se assemelha à voz humana, e o jazz cantado se assemelha ao som dos instrumentos. O jazz permite ao instrumentista ou ao cantor viajar dentro de uma linha harmônica, visitando patamares nunca antes visitados. Dificilmente, por mais que se ensaie, uma apresentação de jazz soará exatamente a mesma coisa, seja ele puramente instrumental ou com a participação de um cantor,

7 - Tem projetos voltados para o jazz?
Tenho músicos e parceiros que sempre foram voltados para o jazz ou que estão despertando para o jazz neste exato instante. São Luís tem músicos de alta qualidade que estão se descobrindo como jazzistas, se interessando pela matéria, pesquisando, ouvindo e educando as suas habilidades no jazz, o que faz com que a gente se anime em pensar projetos futuros que envolvam não somente o jazz convencional mas boa parte dos seus assemelhados, como o blues (de onde tudo começou), a bossa-nova, o rock, o soul e outras manifestações do gênero. Hoje em dia é possível a gente sonhar com projetos de jazz porque estamos cercados de músicos (espero não esquecer de muita gente) como Celson Mendes, Julinho Pinheiro, Fleming, Jayr Torres, Isaias Alves, Miranda Neto, Jeff Soares, Mauro Travincas, Edson Travassos, Milla Camões, Marcelo Bianchinni, Arlindo Pipiu, Jim Howard, Gonzaga de Sousa, Pedro Duarte, Júlio Cesar, Antonio Paiva, Rogério Leitão, Maninho Quadros e de pessoas que batalham pela causa como Celijon Ramos, Ronald Almeida, Érico Cordeiro e Tutuca, que neste exato instante está fazendo das tripas o coração para que a realização do 1º Lençóis Jazz & Blues Festival seja não só possível mas também um sucesso.