terça-feira, 20 de outubro de 2009

LENÇÕIS JAZZ E BLUES FESTIVAL: BARREIRINHAS NA ROTA DO JAZZ


É com prazer que divulgamos a resenha de Augusto Pelegrini sobre o festival de jazz e blues, que ocorreu em Barreirinhas, e do qual foi o apresentador oficial.
Parabenizamos a equipe organizadora do evento, desejando maior sucesso ainda na realização da segunda edição do evento.

Por Augusto Pellegrini

Mesmo sofrendo os percalços naturais de um empreendimento pioneiro, o 1º Lençóis Jazz & Blues Festival se revestiu de sucesso. A organização, a cargo de Tutuca Viana e Ivaldo Guimarães, teve que enfrentar imensos problemas de logística em virtude das peculiaridades do evento, realizado em um confortável resort próximo à cidade de Barreirinhas. O acesso do público foi um pouco dificultado por conta da carência de uma sinalização adequada. Isto, aliado a algumas informações controvertidas sobre a venda de ingressos, resultou num público aquém do esperado, embora animado e participativo. O Resort Lençóis Maranhenses, local das apresentações possui um glamour especial por conta do seu belo visual externo, que é moderno, confortável e divertidamente decorado com galinhas de terracota. O clima estava agradável, o serviço de boa qualidade e todos os ingredientes estavam presentes para proporcionar um programa de alta qualidade. A primeira noite contou com a abertura impecável do trio de Jayr Torres, com Jayr na guitarra, Carlos Raquete no baixo e o premiado Isaías Alves na bateria. A bela apresentação do trio não chegou a ser ofuscada por alguns problemas de sonorização e por um humming constante que era perceptível durante as pausas, felizmente solucionado a tempo. O trio passeou entre o jazz convencional e algumas interessantes leituras de música maranhense inserida no jazz. Na seqüência apresentou-se o trompetista novaiorquino radicado em São Luís Jim Howard III, líder, arranjador e criador da Infinity Jazz Band. Também devido à logística, Jim não pode levar a totalidade dos seus músicos, o que de certa forma comprometeu a sua performance, pois ele teve que improvisar algumas músicas utilizando apenas um trombonista, um baixista e um baterista como combo. O punch final contou como duas saxofonistas e dois outros trompetistas quer buscaram criar um clima de big band ao sair dando voltas no meio do público durante a interpretação de “WhenThe Saints Go Marchin’ In” A noitada foi encerrada com um verdadeiro show de técnica e competência oferecido pelo performático gaitista Engels Espíritos, acompanhado pelo seu parceiro Rafa Dorneles na guitarra, ambos perfeitamente assessorados pelo não menos perfeito Carlos Pial na percussão. O trio interpretou algumas músicas do próprio Engels, numa pegada alegre e movimentada de country-blues e rhythm & blues. A segunda noite teve solucionados os problemas de sonorização e humming, e começou no embalo do blues e do rock-a-billy com o extraordinário Edson Travassos – leia-se “Manifesto Blues”, sua marca registrada – acompanhado pelos essenciais Oliveira Neto na bateria e Samy “Sam” Aranha no baixo. A banda continuou no palco para receber Jefferson Gonçalves, um gaitista completo que soma o som do blues às mais diversas correntes e nuances da música instrumental moderna, extraindo do seu instrumento muita alma e muita técnica – às vezes ele passa a impressão de que são dois gaitistas tocando melodia e harmonia ao mesmo tempo – viajando do Delta do Mississipi até a zona agreste do nordeste brasileiro (um determinado espectador mencionou que Jefferson parecia ter “duas bocas” para extrair tal som!).

Finalizando as apresentações, o percussionista Luís Cláudio brindou o público com uma excelente performance solo, tendo como apoio musical uma trilha gravada com sons que variavam do etéreo ao instrumental popular, à qual acrescentou diversos efeitos percussivos de grande riqueza sonora.

O ambiente do Festival começou a ser sentido antes das apresentações, com um inusitado cortejo musical pelas ruas da cidade de Barreirinhas proporcionado por Jim Howard III e os membros da sua Infinity Jazz Band, criando nos moradores um clima de surpresa e estupefação, (o que está acontecendo por aqui?!) e terminou no palco do resort na sua segunda noite, deixando aquele gosto de “quero mais” na boca do público. Louve-se o trabalho da jornalista Patrícia Santiago, responsável por levar o som do Festival para além fronteiras do Maranhão por seus valiosos contatos com outros assessores de imprensa, jornalistas e produtores culturais de diversos setores artísticos, além do seu suporte inestimável dado à organização, da qual ela passou definitivamente a fazer parte. Estamos em contagem regressiva para o 2º Lençóis Jazz & Blues Festival, daqui a um ano, quando teremos, sem dúvida, novas e surpreendentes atrações. Quem viver verá.

domingo, 18 de outubro de 2009

OITICICANA



sem parangolés nem patrões
que a chama apenas se extinga
no mau cheiro da carne tórrida.
desvão da arte comida
que comove
mar de gente
um vergonhoso fogo amigo
que não suporta mais o tempo.


(poesia dedicada a Hélio Oiticica.)

domingo, 11 de outubro de 2009

BOLINHAS DE AÇO


Tinha, naquela hora, ganhado a rua pra comprar jornal na banca de revistas como desculpa para passar o tempo.
Encontrava-se em meio à balbúrdia dos carros que passavam num frenesi de motoristas que se apressavam na volta para a casa como a evitar o engarrafamento do trânsito. Na cabeça só pensamentos esparsos e incertos. Foi quando se deparou de forma surpreendente com uma prosaica esfera de rolamento, suja de graxa espessa e com muita terra ao seu redor. Logo ali aos seus pés estava o objeto que lhe era tão familiar e que lhe abrira, naquele momento, as portas de uma viagem vertiginosa para dentro. Um busca que lhe pareceu estranha.
Depois de tanto tempo ela estava de novo como a reclamar o significado de uma vida e uma grande espera.
Como se o convite fosse feito, ele a recolheu do chão e pôs-se a rir num contentamento que o deixava nervoso. Tratou logo de cuidar da bolinha, limpando-a de cada grão de terra em meio a óleos desgastados com um carinho esmerado. De repente, voltou-lhe a lembrança da infância, quando havia muita luta da criançada nas disputas dos jogos de peteca, pois quem possuísse as maravilhosas bolinhas de aço leva vantagem no jogo. Era na época de chuvas que a brincadeira corria solta e que a algazarra dos meninos se completava num corre-corre de um lado para o outro. Tempo de pés enlameados e de cheiro de terra molhada que naquele momento lhe tomava as narinas novamente. Aquelas bolinhas tinham peso e personalidade; diziam-se de aço e prestavam-se muito bem, ao atingir as petecas de vidro dos adversários, para quebrar-lhes as almas. Tec! E pronto. Uma banda para cada lado era o espólio e o resultado de míticos duelos. Choro peremptório do perdedor ante o riso insolente do dono da peteca de aço. Era difícil encontrar aqueles tesouros de aço e por isso, agora ele sabia, sorrira tanto ao reencontrá-la ali graciosamente depois de tantos tempos e ao alcance de seus olhos. Era como se dali saísse correndo para uma infância que há muito deixara guardada em algum escaninho de quimeras. Tinha novamente trazido pra si a beleza daquela vida de inocência e de generosidade. Resgatou a convivência de amigos que se perderam pelos caminhos. Mas agora não; todos estavam ali juntos mais uma vez para de novo brincar de peteca, contar estórias e correr descalços pelas ruas. Todos na sabedoria da memória que recupera vidas num segundo.
Então tornou a olhar fixamente a esfera agora já limpa nas mãos. Mirou-a mais uma vez e sentiu-se ante a um espelho provocado pelo brilho intenso que reluzia na sua frente. Deixou de ser criança e voltou, pouco a pouco, para seu corpo adulto, alquebrado por tantas idas e vindas próprias a existência de um homem de cenho forte e já maduro. Mas era diferente o riso que mostrava agora entre os dentes.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

UMA PROSA DE JAZZ COM AUGUSTO PELLEGRINI


augusto pellegrini festejando seu canto
Comemorando a realização do 1º LENÇÓIS JAZZ AND BLUES FESTIVAL, que ocorre no dias 10 e 11 de outubro, em Barreirinhas, no Maranhão, publico abaixo a íntegra da entrevista virtual dada por Augusto Pellegrini (jornalista, cantor de jazz e autor do livro Jazz:das raízes ao pós-bop, publicado pela editora Códex) à jornalista Inara Rodrigues do Caderno Impar de O Imparcial.

Augusto Pellegrini será o apresentador oficial do festival e a programação faremos a divulgação aqui no blog.


Caro Augusto, aqui vão as perguntas. Desde já agradeço a colaboração. Um abraço. Inara Rodrigues.

1- Fale da sua carreira musical. Quando a música entrou na tua vida e como foi esse processo da iniciação musical até hoje?
Eu tenho três carreiras musicais. Uma, a mais natural, é como apreciador, pois foi aí que tudo começou. Ainda adolescente, comecei a me interessar por alguns discos que ouvia na casa de parentes e que diferiam fundamentalmente daquilo que era tocado no rádio, Entre as preciosidades, peças de jazz orquestrado (Benny Goodman, Artie Shaw, Harry James), chorinho (Jacob do Bandolim, Severino Araújo, Luiz Americano), música erudita ou semi-erudita (Chopin, Tchaikovski, Strauss), orquestras (Mantovani, Percy Faith, George Melachrino) e até tangos de Carlos Gardel. Comecei a me aprofundar na coleção e no conhecimento do jazz e logo depois que cheguei em São Luís, em 1982, comecei a fazer o programa Mirante Jazz na Rádio Mirante FM. Como sempre gostei de cantar e era incentivado a fazê-lo, comecei a partir de 2000 a utilizar as nuances e as improvisações do jazz como cantor, tendo me apresentado em diversos bares, restaurantes e teatros de São Luís.

2- E o jazz, sempre te acompanhou nessa trajetória? Fale um pouco dessa experiência com o jazz.
Minha experiência com o jazz é bastante estranha, porque não toco nenhum instrumento mas costumo dizer que tenho "um ouvido de elefante" pois assimilo perfeitamente os sons e as harmonias, e consigo reproduzir vocalmente os elementos do jazz. O jazz faz parte da minha vida como uma contribuição cultural muito importante.
3- Fale do seu programa na rádio. Quando começou, como surgiu a idéia, como é o roteiro, o que toca etc.
O programa Mirante Jazz começou em 1982 e durou até 2004, quando saí da Rádio Mirante e ingressei na Rádio Universidade, onde estou até hoje. A partir de então ele se chama Sexta jazz. A idéia surgiu durante uma feijoada na minha casa, quando um amigo, Armando Le Fosse, encantado com o material que eu possuia sugeriu que devêssemos fazer um programa do gênero. Ele procurou a Rádio Mirante e negociou o programa com eles. Fomos parceiros na emissora até 1985, quando ele foi embora de São Luís, e eu passei a produzir e apresentar sozinho. A idéia é tocar todas as vertentes possíveis, com ênfase para o jazz do século 20 - desde o tradicional até o pós-bop - e de mesclar música com comentários pertinentes (músicos, compositores, curiosidades, etc.).

4 - Como está o movimento jazz em São Luís? Ele está acontecendo? Há espaço? O que falta?
O movimento do jazz em São Luís está melhorando consideravelmante. Hoje em dia o jazz já consegue levar público para as apresentações, diversos músicos se engajaram no estilo e outros músicos estão se engajando. É um processo lento, pois o músico de jazz precisa ouvir muito para entender as minúcias e as particularidades musicais, que não são poucas, a fim de obter o feeling necessário para a sua interpretação. Os espaços para apresentações de jazz estão aumentando timidamente graças a muitos heróis que se dispõem a trabalhar até de graça para que os shows aconteçam. Falta um imcentivo maior de produtores e patrocinadores que possam ver no jazz não apenas uma aventura musical curtida por uns poucos diletantes, mas como um negócio que dê público e retorno financeiro. Falta a coragem dos patrocinadores para venderem um produto classe A.

5 - Quem são suas referências no jazz?
São muitas. Cada época e cada tipo de instrumento tiveram uma contribuição importante no meu comportamento de jazzófilo. Louis Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, John Coltrane, Dave Brubeck, Chet Baker, Joe Pass, as bandas de swing, e vocalistas como Billie Holiday e Ella Fitzgerald são algumas das minhas referências.

6- Por que o jazz? O que sente ao ouvir e tocar ou cantar jazz?
Porque o jazz embute uma mensagem que extrapola a música. O jazz mexe com o sentimento do artista e do ouvinte devido à liberdade que o artista tem para criar e improvisar. O jazz instrumental se assemelha à voz humana, e o jazz cantado se assemelha ao som dos instrumentos. O jazz permite ao instrumentista ou ao cantor viajar dentro de uma linha harmônica, visitando patamares nunca antes visitados. Dificilmente, por mais que se ensaie, uma apresentação de jazz soará exatamente a mesma coisa, seja ele puramente instrumental ou com a participação de um cantor,

7 - Tem projetos voltados para o jazz?
Tenho músicos e parceiros que sempre foram voltados para o jazz ou que estão despertando para o jazz neste exato instante. São Luís tem músicos de alta qualidade que estão se descobrindo como jazzistas, se interessando pela matéria, pesquisando, ouvindo e educando as suas habilidades no jazz, o que faz com que a gente se anime em pensar projetos futuros que envolvam não somente o jazz convencional mas boa parte dos seus assemelhados, como o blues (de onde tudo começou), a bossa-nova, o rock, o soul e outras manifestações do gênero. Hoje em dia é possível a gente sonhar com projetos de jazz porque estamos cercados de músicos (espero não esquecer de muita gente) como Celson Mendes, Julinho Pinheiro, Fleming, Jayr Torres, Isaias Alves, Miranda Neto, Jeff Soares, Mauro Travincas, Edson Travassos, Milla Camões, Marcelo Bianchinni, Arlindo Pipiu, Jim Howard, Gonzaga de Sousa, Pedro Duarte, Júlio Cesar, Antonio Paiva, Rogério Leitão, Maninho Quadros e de pessoas que batalham pela causa como Celijon Ramos, Ronald Almeida, Érico Cordeiro e Tutuca, que neste exato instante está fazendo das tripas o coração para que a realização do 1º Lençóis Jazz & Blues Festival seja não só possível mas também um sucesso.