Tânia Maria, as fotos não mentem, tem cara de maranhense e produz música na linguagem universal do jazz. Nascida em São Luís (1948), foi morar com a família em Volta Redonda (RJ) aos dois anos de idade. Aprendeu tocar piano com sete e, aos doze, foi vencedora do programa de calouros do muitas vezes duro Ary Barroso, na Rádio Nacional. Nesse meio tempo, acompanhou o conjunto de seu pai e formou seu próprio grupo. Viveu sua adolescência tocando sambajazz nas casas noturnas do Rio e depois por quatro anos, em São Paulo.
Há tempos venho flertando com a música da pianista, que a cada disco a que tinha acesso mais me impressionava. De uns tempos pra cá, para minha satisfação, Tânia Maria vem tomando mais e mais espaço localmente, mormente na internet, mas também na mídia impressa especializada no jazz. Sua obra torna-se pouco a pouco mais conhecida dos brasileiros, e, se internacionalmente a compositora já é mais que consagrada, aqui no Brasil esse reconhecimento tardio também começa ser demonstrado. A confirmação disso pode ser percebida pelo fato que nos últimos cinco anos Tânia Maria vem se apresentando regularmente em São Paulo com sucesso de crítica e de público.
No entanto, até tudo isso se verificar, foram anos de muito trabalho e aplausos tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, onde possui uma discografia de mais de 21 discos gravados. E pensar que tudo isso se deveu em parte ao ostracismo “voluntário” por sua migração para Europa nos anos de chumbo de 1971.
É paradoxal, mas o sucesso da artista deve-se em boa medida à truculência da polícia brasileira da ditadura que a xingou de prostituta, rasgou-lhe o documento de identificação de música e a conduziu no camburão, quando saía, após se apresentar numa boate no Rio, certamente, após horas de execução de sambajazz. Tinha então 22 anos, estava lactente e o trauma foi enorme. Contou isso ao jornalista Carlos Callado em entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo. Após o triste episódio, saiu do Rio direto para Paris para inaugurar a boate “A Batida” no complexo “Viva Brasil”, de Guy de Castejá, conforme divulgaram o jornalista Aramis Millarch e o blog de Carlos Braga, CD Latin Jazz Corner.
O sucesso desde então lhe bafejou o rosto a ponto de receber o reconhecimento de sua técnica pela crítica favorável do prestigiado crítico de jazz Leonard Feather; alguns anos depois conquistou o Prêmio Grammy de melhor performance de jazz com a composição “Come with me” (1983). Esse na verdade foi o ponto de inflexão em sua carreira. E quem iria duvidar do reconhecimento de seu talento? Antes de Feather, foi nada menos que o grande baterista Edson Machado quem observou sobre ela após uma canja: “Toca feito homem”. Vindo quem veio, o elogio deve ter dado a ela a convicção de que conquistaria o mundo da música. Mas a observação de Edson Machado revela-nos também que Tânia Maria já era então uma música de apuro técnico e que executava seu piano com energia e muito swing. Contudo, é bom salientar que, ao ouvir-se a execução, transparece as influências na pianista que vão da profusão rítmica de Horace Silver e também da música de McCoy Tyner. Pude recolher na minha pesquisa, ainda, que a artista tem como um de seus prediletos Wynton Kelly. Mas é a própria Tânia Maria quem revela a orientação de seu caldeirão ao responder sobre o assunto:
“Do clássico, eu gostava de Chopin, mas eu sabia que não seria uma pianista clássica. Até hoje gosto muito de escutar o clássico, agora tenho mais familiaridade com Debussy e Ravel.No popular, o primeiro músico que me impressionou no Brasil foi Johnny Alf, sem dúvida. Depois, o Luiz Eça foi e é um dos maiores pianistas que já conheci. Entre os americanos, a primeira imagem de um artista cantando e tocando é a de Nat Cole. Outros pianistas são Bill Evans e Wynton Kelly. O jazz para mim vai até os anos 60 e 70. É o que gosto. Depois disso ficou mais bagunçado, já não me interessa tanto. Gosto de escutar a melodia e depois a improvisação.”
Das muitas apresentações em festivais de jazz a artista pode tocar e conquistar a admiração do guitarrista Charlie Byrd, que a indicou à Concord Records. O primeiro álbum que resulta desta colaboração, "Piquant", alcança o "Golden Feather Award, conferindo-lhe notoriedade e respeitabilidade no meio jazzístico. Sempre liderando seus grupamentos, a pianista já ladeou com artistas do naipe de Don Alias, Eddie Gomez, Darryl Jones, Steve Gadd, Anthony Jackson e Niels-Henning Orsted Pedersen com quem gravou um belíssimo disco.
Ao ouvi-la, chama atenção a agilidade de seus dedos; sua música é vibrante, enérgica e cheia de balanço. Aplica com maestria a técnica do scat quando canta e sua música é alegre, mas o ouvinte é levado para o campo da atenção pelos bons resultados de melodia e improvisação que alcança ao piano.
Faz tudo isso sem que se deixe de reconhecer na sua sonoridade a alma brasileira que a fez avançar limites. Depois de morar anos nos Estados Unidos, a artista resolveu voltar a residir na França. Sua maior queixa foi a de que, nos Estados Unidos, tocar e ouvi-se jazz se tornou possível apenas em clubes a preços elevados o que, segundo ela, afastou o grande público do gênero. Deve ter razão a artista a julgar pela agenda publicada em seu site na internet sempre apinhada de shows por toda a Europa.
Há tempos venho flertando com a música da pianista, que a cada disco a que tinha acesso mais me impressionava. De uns tempos pra cá, para minha satisfação, Tânia Maria vem tomando mais e mais espaço localmente, mormente na internet, mas também na mídia impressa especializada no jazz. Sua obra torna-se pouco a pouco mais conhecida dos brasileiros, e, se internacionalmente a compositora já é mais que consagrada, aqui no Brasil esse reconhecimento tardio também começa ser demonstrado. A confirmação disso pode ser percebida pelo fato que nos últimos cinco anos Tânia Maria vem se apresentando regularmente em São Paulo com sucesso de crítica e de público.
No entanto, até tudo isso se verificar, foram anos de muito trabalho e aplausos tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, onde possui uma discografia de mais de 21 discos gravados. E pensar que tudo isso se deveu em parte ao ostracismo “voluntário” por sua migração para Europa nos anos de chumbo de 1971.
É paradoxal, mas o sucesso da artista deve-se em boa medida à truculência da polícia brasileira da ditadura que a xingou de prostituta, rasgou-lhe o documento de identificação de música e a conduziu no camburão, quando saía, após se apresentar numa boate no Rio, certamente, após horas de execução de sambajazz. Tinha então 22 anos, estava lactente e o trauma foi enorme. Contou isso ao jornalista Carlos Callado em entrevista publicada no jornal Folha de São Paulo. Após o triste episódio, saiu do Rio direto para Paris para inaugurar a boate “A Batida” no complexo “Viva Brasil”, de Guy de Castejá, conforme divulgaram o jornalista Aramis Millarch e o blog de Carlos Braga, CD Latin Jazz Corner.
O sucesso desde então lhe bafejou o rosto a ponto de receber o reconhecimento de sua técnica pela crítica favorável do prestigiado crítico de jazz Leonard Feather; alguns anos depois conquistou o Prêmio Grammy de melhor performance de jazz com a composição “Come with me” (1983). Esse na verdade foi o ponto de inflexão em sua carreira. E quem iria duvidar do reconhecimento de seu talento? Antes de Feather, foi nada menos que o grande baterista Edson Machado quem observou sobre ela após uma canja: “Toca feito homem”. Vindo quem veio, o elogio deve ter dado a ela a convicção de que conquistaria o mundo da música. Mas a observação de Edson Machado revela-nos também que Tânia Maria já era então uma música de apuro técnico e que executava seu piano com energia e muito swing. Contudo, é bom salientar que, ao ouvir-se a execução, transparece as influências na pianista que vão da profusão rítmica de Horace Silver e também da música de McCoy Tyner. Pude recolher na minha pesquisa, ainda, que a artista tem como um de seus prediletos Wynton Kelly. Mas é a própria Tânia Maria quem revela a orientação de seu caldeirão ao responder sobre o assunto:
“Do clássico, eu gostava de Chopin, mas eu sabia que não seria uma pianista clássica. Até hoje gosto muito de escutar o clássico, agora tenho mais familiaridade com Debussy e Ravel.No popular, o primeiro músico que me impressionou no Brasil foi Johnny Alf, sem dúvida. Depois, o Luiz Eça foi e é um dos maiores pianistas que já conheci. Entre os americanos, a primeira imagem de um artista cantando e tocando é a de Nat Cole. Outros pianistas são Bill Evans e Wynton Kelly. O jazz para mim vai até os anos 60 e 70. É o que gosto. Depois disso ficou mais bagunçado, já não me interessa tanto. Gosto de escutar a melodia e depois a improvisação.”
Das muitas apresentações em festivais de jazz a artista pode tocar e conquistar a admiração do guitarrista Charlie Byrd, que a indicou à Concord Records. O primeiro álbum que resulta desta colaboração, "Piquant", alcança o "Golden Feather Award, conferindo-lhe notoriedade e respeitabilidade no meio jazzístico. Sempre liderando seus grupamentos, a pianista já ladeou com artistas do naipe de Don Alias, Eddie Gomez, Darryl Jones, Steve Gadd, Anthony Jackson e Niels-Henning Orsted Pedersen com quem gravou um belíssimo disco.
Ao ouvi-la, chama atenção a agilidade de seus dedos; sua música é vibrante, enérgica e cheia de balanço. Aplica com maestria a técnica do scat quando canta e sua música é alegre, mas o ouvinte é levado para o campo da atenção pelos bons resultados de melodia e improvisação que alcança ao piano.
Faz tudo isso sem que se deixe de reconhecer na sua sonoridade a alma brasileira que a fez avançar limites. Depois de morar anos nos Estados Unidos, a artista resolveu voltar a residir na França. Sua maior queixa foi a de que, nos Estados Unidos, tocar e ouvi-se jazz se tornou possível apenas em clubes a preços elevados o que, segundo ela, afastou o grande público do gênero. Deve ter razão a artista a julgar pela agenda publicada em seu site na internet sempre apinhada de shows por toda a Europa.
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PS.: DE EUZINHA
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Ao escrever este artigo, estava incomodado com sensação que algo faltara pelo menos para espelhar toda a emoção que a música de Tânia Maria me traz. Ou que, pelo menos, sua relação com Maranhão e nossa forma de cultura ficou ali esparsa e falha. Deu-se a impressão de que a artista tem forte influência da música produzida no Rio, o que de resto é verdade. Mas não toda a verdade.
Há meses, na casa de meu amigo Jarbas Couto, estávamos ouvindo música, quando lá pelo meio da conversa, lembro-lhe do nome Tânia Maria e de seus encantos musicais. Jarbas animou-se e mostrou-me uma interpretação da artista num show de seu ultra fã, Ed Motta. Lembrou mais. Da música "Euzinha", que eu ainda não conhecia. Pois bem. Escrevi o texto e esqueci de mencionar essa nossa história. Eis que Jarbas, ao comentar o artigo, insiste no ponto e vi-me tentando e instado a ir fundo na história de "Euzinha". Fafá localizou e providenciou a audição da música. Para quem é do Maranhão dá orgulho ouvi-la por bem expressar nossos costumes e o jeito de ser. E, pra quem não o é, pode deliciar-se com a agilidade das mãos da moça. A família de Tânia ocupou-se bem em fazê-la herdar, mesmo de longe, conhecimentos de nossa cultura, o gosto culinário, nossa geografia, nossos maneirismos que ficam evidentes na letra da canção. Enfim, plantou-lhe na memória e no coração esse amor por uma terra que nunca pode conhecer, mas que lhe é cara à alma. E ela retribuiu tudo com essa linda música, que é Euzinha, em que swinga como poucos. Restou-me a emoção incontida. Torço de coração que possamos retribuir à Tânia esse carinho que ela nos fez, trazendo-a urgentemente para apresentá-la ao seu povo. Seria uma apresentação memorável e uma homenagem muito justa.
Jarbas, agora o artigo está pronto. Obrigado a ti e à Tânia Maria.
11 comentários:
Caro Celi,
Belíssimo texto, em uma justíssima homenagem à nossa cantora/pianista/compositora.
Detalhes que eu desconhecia de sua vida e de suas influências ajudam a entender um pouco dessa grande artista.
Confesso que quando felei contigo, entendi que a resenha seria sobre Antônio Maria, outra grande figura da nossa cultura e que de já deixo como sugestão para um futuro post. Afinal, "ninguém me ama, ninguém me quer..."
Grande abraço compadre!!!
Assim como o Érico, eu tb não conhecia muitos detalhes da vida desta excepcional artista.
Mas sempre a admirei e lamento que ela - como outros - tivesse que sair do Brasil pra fazer sucesso.
celi,
valeô mesmo...sou fâzão de tânia maria...já consegui assisti-la no blue note tokyo...que energia...essa musicista é piramidal.
em '91, numa das minha primeiras gigs, poraqui,eu abria com 'funk tamborim', naquela levada original...muito brazuca não conhecia a tânia, mas os japas sim...rs
é isso aí,
abraçsonoros
namaste
Caros Érico, Figbatera e Pituco,
Legal que tenham gostado. Tânia Maria é daquelas pessoas que fazem a música ficar mais alegre e nem por isso frívola. Pituco é um felizardo por poder tê-la assistido ao vivo.
Deixe-lhes contar uma estorinha: Vivemos tb aqui S Luís o Ano da França aqui no Brasil. Por nossa colonização ser também francesa, tudo parecia animador para as possibilidades de assistirmos novos artistas. O fato é que Tania Maria jamais tocou em São Luís e a oportunidade parecia única. Pois bem, ao sair do teatro após um show da maravilhosa cantora Célia Maria, indaguei ao Secretário de Cultura, Joãozinho Ribeiro, quando ele juntaria em S Luis todas as Marias maranhenses, me referindo a Tãnia. Ele me disse em primeira mão que cantaria no ano da França no Brasil (2009). Pois é. O secretário caiu juntamente com a cassação do gov. Jackson. É muito azar meu. Acho que Tânia demorará muito a aparecerpor aqui.
Pituco, obrigado por sua visita. Fique à vontade.
Querido Celijon,
Obrigado pelo artigo sobre a maranhense Tânia Maria. Os aspectos biográficos do seu texto nos fazem lembrar que esta excelente artista de renome mundial saiu de nossas entranhas.É irônico que este reconhecimento não tenha advindo apenas de sua dedicação a toadas de boi(com todo respeito que Coxinho e outros merecem, o que me incomoda é a mesmice). Não significa que nossa Tânia tenha nos esquecido. Um samba-jazz intitulado "Euzinha" dedicado a sua tia de mesmo nome que morava no Monte Castelo fala até da remota Mirador que, dizem, é a terra onde Deus não andou.
O grande músico e conhecedor de música Ed Motta é um fã assumido e incondicional de Tânia Maria. Comportou-se como Tiete num show em São Paulo que teve a presença de Tânia.
O Maranhão que tanto grita por mudanças mudaria, desta vez para melhor, se Tânia viesse nos visitar quando em vez.
Jarbas, é verdade. O Ed Motta é apaixonado pela música de Tânia. Quanto ao bumba-meu-boi, creio que não dado tempo da artista assimilar culturalmente, afinal ela saiu daqui muito novinha daqui. Só pra no máximo imaginar seus familares cantorolando alguma toado no mês de junho. No Rio, talvez ela tenha tomada quentão. Mas a música "Euzinha", que vou procurar ouvi-la ( pode informar em qual disco ofoi gravada?), demonstra que ela não se apartou de nossa gente. Mirador, a seu favor, tem o mérito de ser a cidade natal do economista Inácio Morão Rangel - seu pensamento econômico foi seminal para os desenvolvimento da "teoria da inflação inercial" que explicou nosso processo inflacionário e deu-lhe cabo. Mas também é a terra natal do Ministro Edson Lobão que, como tu sabes, nada engrandesse nossa terra e está dentro daquele perfil exegeta da cultura local que tão bem criticaste em teu blog.
Um grande abraço.
PS.: Nesse final-de-semana oosai nossa reunião. Já falei com Érico.
Ah, Jarbas!
Por pesquisa de Fáfa, acabei de ouvir "Euzinha". Gravada na disco Nice Jazz Festival, de 1984. É linda, cheia de swingue e de brasilidade. É emocinante a homenagem que Tânia Maria rende à cultura do Maranhão, as coisas nossas que sua família lhe ensinou e que ela que diz que a inspira. "Eu nunca foi ao Maranhão, mas eu vou gostar de lá...só sei que é amor do coração ou de nascença de lá..." Tudo isso com nosso sotaque cantado. Pra mim foi emocionante e comovente. Obrigado, por me ajudar acompletar o artigo. Agora ele está pronto. Vou colocar a música pra ser ouvida no blog por todos.
Veleu, meu amigão!
Caraca!!!!
Que música bonita e quanto swing.
Engraçado é que essa canção exala uma verdade e uma sinceridade que muita gente - aqui nascida e criada - jamais vai saber o que é.
Grande lembrança. "Tio Ribinha" é ótimo - quem é que não tem um?
Abração!
Compadre,
Ao ouvir a música eu fiquei muito emocionado. É tudo lindo!
Possuo dois discos da menina: Ao vivo no Blue Note e Bluesilian. Ambos sensacionais. Aceito trocá-la por Roberto Carlos. Vocês ficam com Bob e nós, capixabas, com a Tânia.
He,he, he...O Roberto Carlos... Só se for o que gravou músicas até no máximo 1981. Depois disso vamos ter que pensar em outra troca, tá.
Obrigado pelo oomentário. Gosto da mexida da música da Tânia que swinga muito.
Um abração!
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