terça-feira, 25 de novembro de 2008

SÓ FALTAVA ESSA: MST DEFENDE JACKSON


Permita-me caro Ed Wilson, foste perfeito na tua crítica a entregação campesina.
A política no Maranhão parece perdida. Mesmo o outrora enfezado e extremista MST agora se entrega aos cânones do Jacksismo. Sim, pois pelo que parece o MST julga o governo Jackson como santidade, apesar de toda atrelação política ao jugo oligarca do atraso como bem disserte: o filho de Luiz Rocha, Roberto e mais Castelo, José Reinaldo... Esta é a turma do Jackson.
Esta conjunção talvez possa explicar a indagação fundamental: como um governo com esse perfil pode superar o de Sarney no malfazejo? Tem-no feito, a rigor, pela exacerbação da violência política, seja pelo abuso do fator econômico ou pela intimidação dos adversários. Sobre esse assunto já se falou muito na eleição última em São Luís.
Ora, a luta política não deve obscurecer a visão de todos.
Afinal, votos foram comprados ou não para eleger o governador? Se o foram, isso é a repetição do que a antiga oligarquia fazia sobejamente. Não se pode concordar que se pretenda mudar alguma coisa usando os mesmos métodos de seus adversários. A pedagogia ensina: estar-se elegendo mais do mesmo - ou seja, outra oligarquia.
Se quisermos acreditar no estado democrático, o bom que a cassação venha logo, pois nossa política precisa arejar-se e avançar do estado atual em que o dono do cofre de plantão faz sempre sua maioria de conveniência e agora com as bênçãos e a participação dos outrora diletos filhos da esquerda. Que não se confunda a questão. Isso não é golpe. É o exercício do pleno estado de direito contra o qual nenhum democrata pode objetar-se.
A continuar assim, como tudo indica, o tal capital político que sobrou depois da derrota de Flávio Dino irá todo para o beleléu logo, logo. Ou será Lago Lago. Não importa. Ao que parece o povo continuará sem liderança para acreditar.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008


uns sons sim
sons de viés
noites que caço melodias de voz
uns são sim
nós por quaisquer sóis
outros são outra vez

uns são não
o que aproxima
ainda em voz macia
cheiro da tez
uns sons sim
sons que se fez

domingo, 16 de novembro de 2008

DE VIDANÇAS, ETNIAS E PASSOS

A noite de ontem, (14) foi de Vidanças - Etnias em Passos, espetáculo apresentado pela Cia Nour el Shams com produção e direção equilibradas da bailarina Solange Costa, líder da companhia. Para ela, “a idéia desse espetáculo é mostrar as danças étnicas que existem em algumas partes do mundo, através dos movimentos da dança do ventre, que não se descaracterizam, mas se complementam com outros passos de origens diferentes”, explica no release de seu blog http://solcosta.blogspot.com/.
A apresentação ocorreu no Teatro Arthur Azevedo e permitiu, ao público presente, o contato com inúmeras etnias através da arte da dança. Por ali desfilaram as artes flamenca, japonesa, africana, hawaiana, brasileira, africana e o tango argentino em coreografias bem executadas pelas integrantes da trupe. Pôde-se dessa forma relacionar a especificidade de cada cultura que bem foi exercitada nas apresentações dos “duos” e solos das bailarinas com destaques para Kahina Barros, que, no número de dança havaiana, demonstrou apuro técnico. Rigorosamente, seus quadris são soltos. Sara Raquel conseguiu traduzir toda a dramaticidade em jogo de sedução que caracteriza bem o tango argentino e Isadora Franco e Juliana Raide atuando com agilidade, leveza, graciosidade, representaram divinamente a alegria da dança brasileira.
Outro momento significativo foi apresentação da cultura japonesa: os espaços de silêncios característicos da música japonesa foram valorizados pelo uso de cores, realçadas pelas luzes e revelaram muito da forma de ser daquele povo, tão longe de nossa racionalidade ocidental.
Como já de costume, Solange sempre traz bailarinas especiais para seus espetáculos e dessa vez brindou a platéia com presença de Kahina, da Casa de Chá Khan el Khalili, de São Paulo, que atiçou o público não apenas por sua beleza física, mas, sobretudo, por sua primorosa técnica.
Num espetáculo onde o figurino se apóia intensivamente no uso de cores, a iluminação era ponto decisivo para o resultado do espetáculo. Foi precisa, nesse caso, a excelente direção de iluminação que ficou a cargo Eliomar Cardoso. Soube utilizar a luz para realçar a expressividade das bailarinas e com sincronia na alternância de uso de tons de fundo e luzes incidentais laterais que valorizaram a performance no palco, permitindo que espetáculo fluísse leve.
O grande risco que a montagem correu foi, ao apresentar inúmeras culturas de dança, não ter um fio condutor que permitisse um encadeamento lógico para os atos do espetáculo em articulação com o todo. Ficou-se sem uma resposta técnica para essa questão, principalmente, em função do atropelo, ao final do espetáculo, que não permitiu o devido esclarecimento de Solange Costa, mas talvez caiba a reflexão: a de que a cultura do oriente médio está mesmo presente em todos os rincões do planeta e dissemina-se assim noutras culturas. E, desse ponto, a dança do ventre pode então flamencar, tanguear ou abrasileirar-se, ampliando as possibilidades da própria manifestação. A julgar pela reação do público, valeu a pena correr o risco. Pulou-se a fogueira. Que venha o próximo!

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

BELUZZO:OS ANTECEDENTES DA TORMENTA

O professor Luiz Gonzaga Belluzzo é dono de uma capacidade analítica sem igual. Sua formação na economia política é sólida e percuciente. Visitei seus livros ao longo da minha graduação em economia e tive o prazer de assisti-lo em alguns seminários para mim inesquecíveis. Tenho acompanhado seus movimentos de análise da crise, em que reforça a necessidade do uso dos intrumentos clássicos da teoria keynesiana, através da indução do gasto do governo, mas não somente. Faz um recorte por vez marxiano e também se utiliza das formulações de Michal Kalecki e sua poderosa macroeconomia para entender os ciclos de crescimento e assim avançar na compreensão da dinâmica da economia capitalista. No artigo abaixo, ele nos ensina como a economia capitalista se meteu em mais uma das suas crises cíclicas. Bom proveito ao didatismo de Beluzzo.

"O crescimento da última década foi celebrado como a expressão de um triunfo inexcedível da experiência capitalista dos Estados Unidos sobre o resto do mundo. Avaliações peremptórias não hesitaram em apontá-la como superior não só à experiência socialista, como também a de outros tipos de capitalismo, como o japonês e os modelos europeus de sociedade e de economia. (1)

O crescimento desse período teve início na segunda metade de 92, foi lento até mais ou menos 1995/1996 e, paradoxalmente, começou a se acelerar após as crises mexicana, asiática e brasileira. Em boa medida a economia norte-americana se nutriu das crises na periferia do sistema para ganhar nervos e musculatura. O período que vai do final dos anos 70 até esse salto, marca uma lenta recuperação do poderio econômico, militar e financeiro dos Estados Unidos. Ele se fez não só com a derrota política e econômica da URSS, mas também com a imposição do padrão capitalista norte-americano e, sobretudo, do capital financeiro do país às demais nações.

Desde os anos 70, os Estados Unidos já vinham abandonando certas referências que marcaram seu crescimento no pós-guerra, bem como desmontando regras prudenciais de gestão financeira adotadas a partir dos anos 30 e consolidadas durante o esforço bélico. Tais características haviam contribuído significativamente para a recuperação da Europa no pós-guerra, além de abrirem espaços para a industrialização de países do Terceiro Mundo. A existência de um bloco socialista competindo com o capitalismo foi igualmente decisiva na ampliação das oportunidades de desenvolvimento no planeta.

O modelo pós-II Guerra
É importante lembrar que a direção política do capitalismo estadunidense nesse período era bem mais heterogênea do que a atual. Havia, por exemplo, dentro do governo Roosevelt, uma fração muito importante do Partido Democrata que preconizava um futuro salvaguardado pela aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética. O inimigo verdadeiro, desse ponto de vista, seria o velho imperialismo europeu, o que explica, em parte, as dificuldades do representante inglês em Bretton Woods, John Mayanard Keynes, para viabilizar suas propostas de reforma do sistema monetário internacional.

Ao contrário do que ocorreu no final da I Guerra Mundial, porém, e que levou à crise do capitalismo desregulado de então, cujo ápice foi a Depressão de 29 e dos anos 30 - em 1944 os EUA tomaram a decisão política de não repetir os erros do passado. O Plano Marshall e o impulso dado à reconstrução européia para a unificação econômica, foram decisivos para as economias alemã e a francesa se rearticularem. Da mesma forma, o financiamento norte-americano foi o divisor que permitiu a reconstrução econômica japonesa.

A impressão dominante naquele momento era a de que o capitalismo estava diante de um sólido e prolongado ciclo de expansão à salvo das flutuações cíclicas violentas inerentes à sua dinâmica de crescimento. Novas formas de regulação e controle do sistema haviam sido introduzidas sob o impulso de forças sociais que emergiram ao final da Guerra, entre elas os partidos comunistas, que tiveram papel relevante na definição das estratégias de reconstrução do capitalismo europeu.Entre as principais características dessa nova institucionalidade estava a admissão de que o Estado, obrigatoriamente, deveria promover a regulação do ciclo econômico.

Os Estados nacionais passaram então a se apropriar e a dispender uma fatia do produto nacional muito superior àquela observada nos anos 20. O maior controle público sobre o excedente evitaria que as flutuações do ciclo econômico redundassem em ajustes baseados na contração quase automática da renda e do emprego como ocorrera até 1929. A segunda característica associada às coligações sociais e políticas que emergiram nesse período foi o crescimento do salário real e dos benefícios sociais, paralelamente ao aumento da produtividade do trabalho. (2) Um terceiro pilar fundamental de sustentação dessa arquitetura foi a instituição do controle dos movimentos de capitais entre os países, sobretudo dos capitais de curto prazo.

Vale lembrar que a reforma que Keynes e Dexter White tentaram aprovar em Breton Woods envolvia, grosso modo, as seguintes balizas: o dinheiro internacional seria simplesmente uma moeda de conta, permitindo que os países trocassem mercadoria por mercadoria. O dinheiro funcionaria assim apenas como referência de cálculo. Os países que tivessem déficit registrariam num banco internacional, em sua conta, a dívida com os demais. A compensação entre os déficits e superávits tornaria desnecessário saldar dívidas através de movimentos de capitais de curto prazo. Keynes, a partir da experiência nefasta dos anos 20, estava convencido de que não era prudente delegar aos mercados a regulação do fluxo monetário internacional. Tampouco eles deveriam assumir a responsabilidade pelo fornecimento de liquidez aos países que porventura registrassem déficit na balança de pagamentos.

Como se sabe, esse sistema não foi aceito em sua totalidade nem pelos Estados Unidos, nem pela Inglaterra. Mesmo assim o acordo de Bretton Woods permitiu que os países controlassem suas contas de capital, proporcionando-lhes maior autonomia na fixação das políticas monetária e fiscal. A prerrogativa de proibir a entrada e a saída de capitais manteve-se até meados da década de 80, inclusive no Brasil, garantindo certo grau de proteção à política econômica contra ondas de volatilidade e movimento especulativo no plano internacional. Ao contrário do que ocorre hoje, caso houvesse uma crise na Bolsa de Nova York, os governos não tinham que elevar a taxa de juro– dispunham de instrumentos para impedir que os efeitos da turbulência fossem integralmente internalizados.

O que se verifica neste dias é exatamente o oposto. Capitais se movem livremente pelo planeta apostando na desvalorização das moedas; promovendo chantagem explícita contra políticas de juro baixo; ou ainda tomando posição nos mercados à vista, ou de contratos futuros, contra economias supostamente dotadas de moedas frágeis. Se esses mercados funcionam livremente, a especulação é inevitável - por definição, eles são mercados especulativos. (3) Falar em controle de capitais tornou-se um anátema a partir dos anos 70– pelo menos foi assim até a emergência da nova crise acionada pelo estouro da bolha imobiliária nos EUA. Na verdade, os grandes protagonistas do processo econômico, a grande empresa internacional e os grandes bancos, frequentemente ganham mais dinheiro no mercado financeiro do que na produção de mercadorias.

Quando uma empresa está localizada em vários mercados, como ocorre hoje, poderá ter um ganho fenomenal se estiver bem posicionada diante de uma alteração cambial –o que não é difícil considerando-se que têm acesso a boas informações e relações estreitas com grandes bancos. Em caso de aposta equivocada, todavia, as perdas, como estamos vendo, podem assumir contornos sistêmicos imprevisíveis.

Para os reformadores de Bretton Woods a estabilidade do câmbio e dos juros era fundamental para a tomada de decisão na esfera produtiva do capitalismo. Uma decisão de longo prazo, como é o caso de um grande investimento, requer um horizonte razoável de segurança e para isso duas taxas devem oferecer certo grau de previsibilidade: a taxa de juros e a taxa de câmbio. Esses são dois preços-chave da economia que informam fundamentalmente a decisão capitalista: a taxa de juros indica qual é a conveniência do detentor da riqueza mantê-la sob a forma de capital monetário ou investi-la sob a forma produtiva, ou qualquer outra forma. Para isso a estabilidade da taxa de juro em um patamar moderado é fundamental. (4) No caso da taxa de câmbio, o que se espera é que ela amplie o horizonte de paridade entre o dinheiro particular – as moedas nacionais – e a moeda de referência mundial. Se esses preços flutuam erraticamente, a decisão do capitalista torna-se totalmente desordenada.

A lógica do controle dos capitais que prevaleceu nos anos 50/60, permitiu que as economias pudessem crescer de maneira mais ou menos equilibrada gerando, não por acaso, aquilo que se convencionou chamar de milagre alemão, milagre japonês, milagre italiano...Tudo ancorado na arquitetura de um capitalismo domesticado, quer dizer, do capitalismo controlado politicamente pela intervenção do Estado em cada país. Essa institucionalidade impediu que fossem reproduzidas as crises dos anos 20, e mesmo as crises do final do século XIX em boa parte do século XX.

Fim de um modelo
A partir do final dos anos 60, essa arquitetura começa a ruir por conta do agravamento de um defeito de origem fundamental na sua engrenagem: a moeda internacional utilizada nesse arranjo era a moeda de um país, o dólar norte-americano. Políticos e técnicos que participaram dos debates de Bretton Woods já haviam identificado os limites dessa ambigüidade.

Somente enquanto essa moeda fosse emitida de maneira moderada, haveria possibilidade de ser aceita pelas demais nações como referência internacional. Embora o fetiche da moeda seja conhecido, a verdade é que ela não tem vida própria, mas reflete um fenômeno social. Sua legitimidade como meio de troca e reserva de valor só subsiste na medida em que figurar aos olhos da sociedade como representação efetiva da riqueza existente.(5)

A partir de meados dos anos 60 esse predicado começou a desbotar nas notas de dólar. A moeda norte-americana passou a se enfraquecer em conseqüência do papel exercido pelo país como polícia do mundo ocidental, o que obrigava o Tesouro a um dispêndio de moeda muito superior ao que seus parceiros estavam dispostos a aceitar.

Apesar da prosperidade geral – e aqui é importante lembrar que 1968 foi um ano de grande prosperidade e esta durou até 1973 – os europeus começaram a contestar a universalidade do dólar, ou o seu papel como representante da riqueza universal. Os primeiros a contestar foram os franceses. No seu entender, o volume de dólares injetado nos mercados pelos EUA excederia o total demandado para as trocas internacionais e os negócios financeiros, conforme havia sido acordado em Bretton Woods. O presidente De Gaulle inicia então a trocar dos dólares excedentes pelo ouro de Fort Knox. Em resposta, em 1971, Nixon, então presidente dos Estados Unidos, declara unilateralmente a inconversibilidade e o fim do padrão concertado em Bretton Woods.

Entre 1968 e 1971, na crise do dólar, começa a se formar o chamado Euro Mercado, cuja característica notável era a expansão de negócios financeiros fora dos controles prudenciais das autoridades monetárias. Sua emergência reflete o excesso de gastos e o déficit da balança de pagamentos norte-americanos. Quando o Banco da Alemanha, um banco central clássico e ortodoxo, acumulava excedentes em sua balança de pagamentos, deslocava o excesso de dólares e o redepositava no Euro Mercado. Essa foi uma das razões do chamado milagre econômico brasileiro, em pleno regime ditatorial.

A farta liquidez externa incentivou o Brasil a se endividar maciçamente em dólar no Euro Mercado, cujas taxas de juros eram convidativas – da ordem de 6% ao ano. Na época, entretanto, esse mercado era relativamente pequeno; só alguns países em desenvolvimento tinham acesso a ele.

Quando os norte-americanos declararam a inconversibilidade, em 1971, e permitiram a flutuação cambial em 1973 (até então, as taxas de câmbio eram fixas e administradas pelo FMI, sendo preciso sua licença para a desvalorização de uma moeda), desencadeou-se a flutuação geral das paridades. Esse foi um dos fatores que deflagrou o aumento do preço do petróleo, fixado em dólares.

Durante toda a década de 70 houve grande controvérsia sobre a substituição do dólar como moeda de reserva, sendo feitas várias tentativas nesse sentido. Os Estados Unidos saíram da guerra do Vietnã derrotados política e militarmente. Foi um período em que se anunciava urbi et orbi o fim da hegemonia norte-americana, o esgotamento de seu poder e a possível substituição da supremacia dos EUA pela da Alemanha. Em 1979, no entanto, na reunião do FMI realizada em Belgrado, os Estados Unidos reafirmaram a hegemonia do dólar posta em xeque pelos interesses europeus.

Primeiro, o governo norte-americano elevou brutalmente as taxas de juros, promovendo a valorização do dólar a ponto de explodir o déficit fiscal do país. Em seguida, Reagan promoveu uma redução de impostos que favoreceu os ricos e a classe média mais alta. Depois, em 1981/1982, iniciou-se a reversão do ciclo de alta dos juros. O declínio das taxas deflagrou um vigoroso ciclo de consumo e de importações na economia norte-americana. Japão, Coréia e Taiwan foram os grandes provedores desse mercado até 1985. O Japão conseguia superávits monumentais à custa dos déficits dos EUA. O que permitia uma dieta pantagruélica ao consumo norte-americano, sem qualquer problema adicional de balança de pagamento, era o fato de deter o controle da moeda de reserva, ou seja, deter a prerrogativa de pagar seu déficit em dólar, e o mundo, de novo, aceitar.

A diferença em relação ao cenário dos anos 70 é que os Estados Unidos passaram a financiar o seu déficit emitindo papéis do Tesouro, como uma espécie de colchão de liquidez. Quando ocorreu a crise da dívida externa na América Latina, devido ao aumento na taxa de juros, o déficit fiscal norte-americano permitiu que os bancos limpassem de seus balanços os créditos podres latino-americanos. Ou seja, a exemplo do que se faz hoje em escala turbinada por um grau de incerteza e de imprudência inéditos, trocaram-se ativos podres por títulos com liquidez de mercado assegurada – e naquele momento a taxas de juros mais convidativas que as atuais. Foi assim que o déficit do Tesouro salvou os bancos norte-americanos enquanto os mais precipitados anteviam a quebra da maior economia do mundo. Como se sabe, tal não ocorreu. Os bancos privados carregaram papéis da dívida norte-americana em suas carteiras, utilizando-os como um mecanismo de transição para o ajuste do sistema financeiro privado. Se o governo dos EUA não tivesse feito um déficit (do tamanho daquele feito por Reagan) e se não tivesse emitido dívida pública, os bancos norte-americanos teriam quebrado.

Os Estados Unidos salvaram seu sistema bancário, ao mesmo tempo em que se transformaram – de credores globais desde o final da I Guerra Mundial – em devedores globais (a dívida pública norte-americana, que em 2001 era de três trilhões de dólares, deve saltar nesta crise de 2008 para algo como dez trilhões de dólares). Os anos 80 foram marcados por essa mudança de posição, em que parecia que os bancos japoneses, por exemplo, iriam superar – e superaram em volume de depósitos internacionais – os bancos norte-americanos.

Durou pouco essa impressão. Em 1985, quando a coisa estava indo longe demais, os Estados Unidos fizeram as famosas reuniões do Louvre e depois do Plaza, que deram origem ao G7. Nessa rodada de peixes grandes os EUA comunicaram que a valorização do dólar fora longe demais. O déficit do país estava exagerado e a indústria norte-americana não suportaria mais a carga da perda de competitividade internacional.

Arremataram anunciando que chegara a hora de seus parceiros assumirem o ônus de reverter esse quadro unilateralmente. Curto e grosso, obrigaram o ien e o marco a se revalorizarem em relação ao dólar, sem que os EUA tivessem que elevar suas taxas de juros para isso.

Foi o início da longa crise japonesa. O Japão foi obrigado a cortar custos, a reduzir lucros e salários de suas empresas. Com o ien excessivamente valorizado, e as moedas dos vizinhos asiáticos ainda desvalorizadas face ao dólar, os investimentos japoneses se deslocaram para o Sudeste Asiático. Isso explica o aparecimento da segunda geração de Tigres Asiáticos – Cingapura, Malásia, Tailândia, resultado da expansão regional do capitalismo japonês .

A partir dessas plataformas as empresas japonesas retomaram a capacidade de exportar para os Estados Unidos. O Japão criou laços profundos com o Sudeste Asiático, mas acabou nocauteado no começo dos anos 90. Os parceiros asiáticos continuaram a crescer até a nova crise de 1997 (recuperarando-se depois, mas de maneira frágil).

Os EUA no centro da crise
Apesar de ter crescido a partir de 1995/1996, a taxa média de expansão da economia norte-americana na década de 90 foi inferior ao desempenho médio verificado entre os anos 50/60. O mesmo ocorreu com a maioria dos demais países: na era dos mercados financeiros desregulados as taxas de crescimento foram muito inferiores às do período anterior, o do capitalismo domesticado, por qualquer critério de comparação (taxa de crescimento, expansão do emprego, crescimento dos salários reais...).

No período Reagan, com a valorização do câmbio, o investimento cresceu muito pouco; sendo basicamente um ciclo de expansão apoiado em consumo. No período mais recente, assistimos a um ciclo de investimento e de consumo com brutal concentração de capital – não só na área produtiva, mas também na área financeira. A contrapartida desse processo, fortemente impulsionado pelo crédito, foi um elevado grau de endividamento do setor privado (famílias e empresas), que alcançou o nível mais alto do pós-guerra.

A valorização crescente do mercado de ações pode servir como fita métrica desse endividamento. Ela exprime a riqueza fiduciária que as famílias e as empresas pensam ter. Na medida em que as ações se valorizaram, famílias e empresas adquirem mais papéis e ações; imaginando que sua riqueza patrimonial se elevou, elas se endividam ainda mais– com as ações servindo como garantia (mais recentemente o mecanismo se transferiu para a valorização do mercado imobiliário). Bancos livres das regras prudenciais acumulam ativos de empréstimos a famílias ancoradas em uma base patrimonial anabolizada especulativamente.

Quando ocorre a correção de preços e o valor das ações cai, quem tem dívida em dólares vê seu patrimônio murchar drasticamente – diz-se desinflou o patrimônio. A poupança das famílias norte-americanas hoje é igual a zero (não poupam nada da sua renda); seu patrimônio líquido perde valor; os ativos que eles possuem estão se desvalorizando e o passivo fixado em dólares cresce e engorda.

Essa, na verdade, é a raiz da crise norte-americana presente desde 2001. Na medida em que as empresas vêem que a relação dívida/patrimônio aumentou muito, elas cortam investimento, e as famílias, seu consumo. Na ponta dessa convergência salta o desemprego, que tende a se agravar com a contração do crédito e da renda. Na medida em que o desemprego aumenta a tendência é um novo degrau de corte de gastos, o que leva a um nova rodada de demissões...

Uma das razões pelas quais os Estados Unidos conseguiram sustentar o padrão de crescimento, via endividamento, foi a capacidade de atrair capitais excedentes de todo o planeta – o Brasil hoje é o quarto maior investidor em títulos do Tesouro norte-americano, sendo a China o primeiro. Ninguém sabe até quando esse processo vai se sustentar. Até agora, a Bolsa cai, as taxas de juros declinam e a economia se desacelera, sem que haja uma fuga expressiva de capitais –ao contrário registra-se até um movimento inverso, uma busca de proteção, com investidores adquirindo papéis do Tesouro a uma taxa de remuneração inferior à inflação.

Qual é o limite dessa engrenagem? Ao examinarmos todo o período do pós-guerra, este por certo é o momento de maior fragilidade na administração da economia capitalista. Está claro que os efeitos deste novo capítulo da crise, deflagrado pelo estouro da bolha imobiliária, não desacelera apenas a economia norte-americana . Será preciso acompanhar a extensão e a profundidade dessa desaceleração sobre o mercado global para uma avaliação mais exata dos seus desdobramentos históricos para a economia capitalista. O certo, porém, é que o lubrificante da desregulação parece ter esgotado a capacidade de azeitar a engrenagem do sistema.

* Luiz Gonzaga Belluzzo é Professor-titular do Instituto de Economia
da Unicamp

Notas

(1) Nos anos 80 estava em voga se falar da excelência do capitalismo japonês, sua diferença e maior dinamismo. Mas essa ilusão com a possibilidade de a hegemonia norte-americana ser substituída por um outro país capitalista foi dissipada já em meados dos anos 80 – exatamente em 1985 –, quando os Estados Unidos forçaram a desvalorização do dólar e obrigaram o Japão a revalorizar o ien; portanto, a encarecer as suas exportações. Obrigaram-no também a abrir financeiramente sua economia. Com isso, impuseram ao Japão o começo de sua maior crise econômica do pós-guerra, e que não conseguiu superar até hoje. A economia japonesa praticamente não cresceu ao longo da década de 90, viveu uma recessão permanente, com pequenas recuperações, mas, nos dez anos que a economia norte-americana cresceu acima da média, ou acima de sua média histórica, o Japão cresceu significativamente abaixo de sua média histórica.

(2) Comparando-se o aumento de produtividade do imediato pós-guerra com o aumento de produtividade do trabalho de agora, mesmo nos Estados Unidos, vê-se que a média foi maior no imediato pós-guerra – coisa que a imprensa não diz!

(3) Especulativos não no sentido popular da palavra. São especulativos porque fazem aposta a partir de uma conjetura sobre o que vai acontecer com o valor de uma denominada moeda, o que vai acontecer com a taxa de juros.

(4) Não é por acaso que, em O Capital, Marx fecha o modelo com o capital a juros. Muitos leitores pensam que ele deixou o capital a juros para o fim porque era menos importante. Mas não é. Porque o capital a juros é a forma acabada – a forma mais aperfeiçoada, como ele diz – do capital, em que este se reproduz a si mesmo. E porque o capital a juros determina as condições de concorrência no mercado capitalista – que sinaliza quais são os capitais que vão sobreviver e quais vão soçobrar.

(5) Vemos na hiperinflação o que acontece: todo mundo foge da moeda, porque não há mais a confiança de que ela possa representar o padrão de medida de troca e de reserva de toda a riqueza existente. Portanto, é um fenômeno quase que convencional, uma convenção consolidada no espírito das pessoas. Não tem nada a ver com a materialidade ou a forma que assume".

domingo, 9 de novembro de 2008

NOTA SOBRE NOTA

Como ouvido bom é o que percebe o seu entorno, pois o faz também a partir do que os olhos captam, faço questão de citar, para informação de nossos leitores, box da Revista Bravo, na edição especial 100 Obras Essenciais da Música Erudita, em que ressalta a grandiosidade e a beleza de A ARTE DA FUGA de Johann Sebastian BACH e de quebra nos dá uma liçãozinha sobre música. E já que o som é mesmo maior que a palavra, o bom mesmo é ouvir a execução da peça musical para deixar entrar a riqueza da técnica contrapontista e engrandecer o espírito. Espero que o texto abaixo sirva de estímulo.


Compositor foi mestre de uma técnica complexa que desafia músicos


“Fuga é uma técnica de composição baseada no contraponto, ou seja, na arte de sobrepor duas ou mais melodias, colocando nota contra nota. A fuga começa com um tema principal entoado por uma voz. As demais vozes entram uma a uma, todas iniciadas pelo mesmo tema. As vozes de uma fuga variam, usualmente, entre três a cinco. Mas fugas com oito ou dez vozes são comuns em formações orquestrais ou corais. O final da ópera Falstaff, de Guiseppe Verde, por exemplo, é uma fuga a dez vozes.
Bach foi mestre nessa técnica “de imitação” em que o mesmo material musical é repetido, iniciando-se com notas diferentes. A estrutura da fuga permite definir em quais intervalos o tema principal pode começar com uma voz. Trata-se de uma das formas de contraponto mais complexas, que, para ser aprendida, demanda a prática exaustiva de exercícios. Por isso, ao longo da história, sempre se relacionou o termo “fuga” á seriedade e à profundidade musical.
A partir do século 19, a “arte do contraponto” deixou de ser a forma privilegiada de composição. Mesmo assim, compositores como Mozart, Beethoven escreveram fugas como peças integradas a trabalhos maiores. No século 20, o contraponto imitativo aparece em obras como as Bachianas Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos; no nuevo tango repleto de fugas e fugatos de Astor Piazzola; na Cool Fugue, de Leonrd Bernstein, no musical West Side Story, para não falar na bem-humorada So You Want a Fugue, do pianista Glenn Gould, que trata, justamente, das dificuldades para escrever uma fuga.”


Fonte: Revista Bravo: 100 Obras Essencias da Música Erudita, pg 30. setembro, 2008.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

COMENTANDO ANSELMO RAPOSO



Esta reflexão vem em comentário a artigo publicado no blog de Anselmo Raposo sobre a nota de Fernando Silva, presidente em exercício do PT, que veio contribuir em bom tom ao processo eleitoral recente em São Luís.
Sou inteiramente a favor das principais conclusões da nota e questiono a posição assumida por Anselmo, que considera o governo Jackson como um governo de transição.
De todo modo, o teor da nota está publicada no endereço do blog:
http://bloguedoanselmoraposo.blogspot.com para maior juízo do leitor.
Fernando Silva coloca o governo do PDT simplesmente no lugar para aonde ele próprio se conduziu - à direita - e reconhece a força das urnas, a possibilidade de se fazer um arco político de esquerda na disputa pelo poder local.
Se havia contradição na administração estadual, essa foi logo superada pelo paulatino direcionamento das ações ao longo do governo Jackson para o atraso e para as práticas políticas denunciáveis como se presenciou, principalmente, mas não apenas, no 2º turno da eleição em São Luís.
A frase de Flávio Dino: “precisamos libertar o Governador dos tucanos” apontava naquele momento a disputa por dentro do governo pelo seu direcionamento político, visando ações propositivas e republicanas com viés de esquerda ( mostrava-lhe isso Flávio Dino a partir do respaldo popular desejando o novo, o qual foi rejeitado com a força do poder econômico e das injúrias patrocinadas pelas lideranças do governo do estado) e isso indicou os estertores de um governo de coalizão. Foi-se vencido, naquele embate, sobrando os anéis e os dedos para o PSDB. Findo o processo, ficou claro que Jackson não desejava ser salvo de nada. Estava confortável na sua escolha política à direita.
Sua opção deve ser respeitada, pois não há como voltar apeá-lo ao passado ermo de sua vida política e isso, fundamentalmente, porque o próprio homenageado não o quer. Claro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já ensinava, quando nos avisou para queimar seus livros escritos anteriormente a sua chegada à Presidência da República - mudara de opinião há muito e pedira assim para deixá-lo em paz na sua revisão política. Jackson apenas o repete sem ter a mesma grandeza de nos avisar.
Mas é a esquerda que ocupa cargos que está muito atrapalhada em desvencilhar-se do espaço que mantém no governo. Aferrou-se a ele como no último vôo do zangão.
Diga-se, de passagem, que o espaço de atuação da esquerda no governo não contribuiu em nada para aumentar a possibilidade de vitória no dia 26 de outubro. Perdeu-se de muito na contagem dos votos em bairros como a Liberdade, Monte Castelo... Só pra lembrar. E isso é um indicador de que a atuação da esquerda no governo, além de pífia, não se reveste de quase nenhum resultado objetivo, a julgar pela percepção da população daqueles bairros, que preferiu apoiar o candidato tucano no espaço urbano onde há forte atuação de obras do governo federal em consórcio ao estadual. Nada disso foi capitalizado politicamente pelos secretários de governo de esquerda de plantão ou pela turma do segundo escalão.
É hora de largar esse encosto e acreditar que grande parte da sociedade está disposta a caminhar ao lado de novas atitudes e espera isso inclusive das mentes de esquerda.
A hora é de fazer a denúncia política do governo do PDT/PSDB antes que a justiça o faça. A condenação política é muito mais conseqüente com a história de luta de PT e PC do B do que a hesitação na crença de uma possível contradição que já tem nome e endereço explicitados.