sexta-feira, 5 de março de 2010

CHORA UMA SAUDADE: JOHNNY ALF


Chora uma saudade. As mãos que outrora corriam ágeis golpeando cada uma das teclas brancas e pretas de seu piano, agora pesaram de vez e de cima delas jamais sairão, inertes.

Não há mais sons; só o silêncio que agora não constrói mais músicas. Nada de dissonância ou notas quebradas apreendidas dos bons pianistas do jazz e que lhe impulsionaram a produzir harmonias e melodias inovadoras que ajudariam a mudar a cara, a voz, a cor e o modo de fazer música brasileira.
Isso é para dizer que perdemos hoje mais um gigante que fez história na música do Brasil.

Mas podia ser Brasil com “b” pequeno.
Soube da morte de Johnny Alf ainda há pouco pelo jornal da TV. Estava cortando o cabelo e, ao ouvir aquela detestável notícia, procurei chamar a atenção de meu cabeleireiro, da manicure, da pedicura, da moça que serve água e café, do dono do salão, enfim... Que tristeza! Ninguém ali deu a mínima para a morte de Johnny. E não adiantou eu dizer que se tratava de um dos maiores criadores da nossa música. De falar da bossa nova. Sem dúvida ela seria menor sem ele. Sem essa de botarem-no no pedestal de precursor. É pouco. O homem foi genial. Por isso haja “b” pequeno para tanto esquecimento. Não disse. Nem deu pra perguntar se sabiam cantarolar alguma música de Johnny Alf. Desisti.

Lembro a primeira vez que comprei um LP de Johnny Alf e como sua música soou diferente em meus ouvidos. Havia nela um swing, um balançado diferente e uma elegância naquelas notas quebradas que faziam surgir harmonias ricas, elaboradas. Era o que eu estava buscando na curiosa viagem que me fez apaixonado pela música. Aquela tarde para mim foi só contentamento, um verdadeiro bálsamo. Foi um encontro com Johnny. Ouvi o disco a noite toda em êxtase. Por isso que é revoltante esse terrível desconhecimento por parte da maioria dos brasileiros da obra desse incrível compositor. É um estranhamento a sensação que se tem. E está aí para provar que isso é a mais pura verdade a sua música em canções do quilate de Eu e a brisa, Ilusão à toa, Rapaz de bem, Escuta... Apenas pra citar essas, porém há muito mais. Músicas esplendorosas nas frases musicais.

Contudo, há um seleto grupo de pessoas que soube reconhecer seu valor, sua grandeza e por ele tem enorme admiração. Souberam captar aquilo que o pianista trazia de inovador na estrutura de sua música e por isso já o sabiam grande. Pois Johnny era considerado o bambambã de toda uma geração de novos músicos e compositores que amavam o som moderno que ele produzia ao piano, e que mais tarde fariam inúmeras das belas canções da bossa nova. Falo de gente como Luizinho Eça, Carlos Lira, Durval Ferreira, Maurício Einhorn, Roberto Menescal, Luis Carlos Vinhas e Nara Leão, pra falar da turma mais nova daquela geração. Claro que Tom Jobim, Newton Mendonça, João Donato, Claudete Soares, Milton Banana e muitos outros também odoravam o que Alf fazia ao piano. Todos lhe faziam corte e reverência. Por tudo isso alguém pode questionar o talento desse homem? E por que lhes faltaram no galanteio?

Há fatos na vida que às vezes comprometem a fluência das águas. E isso pode bem ter acontecido a Johnny. A premência da sobrevivência talvez tenha colaborado para seu ostracismo musical, pois o artista tinha que tocar em bares para sobreviver. Um desses contratos impediu que o músico participasse do famoso conserto da bossa no Carnegie Hall. Talvez tivesse ido, pudesse o evento ter dado maior visibilidade a sua carreira. João Gilberto, Tom Jobim e João Donato foram exemplos de artistas brasileiros que tiraram grande proveito daquele show. Suas carreiras a partir de então ganharam o mundo. Porém, disso não se sabe. O certo é que se deixou de celebrar em vida um dos grandes artistas que a nossa civilização engendrou. A morte é definitiva. Não redime e nem dá novas oportunidades. Quem não teve a sensibilidade, perdeu a chance de enaltecer seu talento em vida. Agora espere quiçá a próxima coletânea. É assim que a indústria fonográfica trata grandes artistas como Johnny.

Johnny morreu, aos 80 anos, de câncer na próstata contra o qual lutou nesses últimos três anos de vida. Deixa nosso mundo mais vazio e insosso. Talvez de longe ele esteja vendo e ouvindo que...

”...somente um dia longe dos teus olhos
trouxe a saudade de um amor tão perto
e o mundo inteiro fez-se tristonho
mas embora agora eu te tenha perto
eu acho graça de meu pensamento
a conduzir o nosso amor discreto
sim, amor discreto pra uma só pessoa
pois nem de leve sabes que eu te quero
e me apraz essa ilusão à toa.”


Não Johnny, nada foi ilusão à toa!

10 comentários:

Érico Cordeiro disse...

É ler, calar, refletir e correr pro player para ouvir o Genialf!
Beijo, compadre - e muito obrigado por sua sensibilidade que nos comove tanto!!!!

figbatera disse...

Bonita e justíssima homenagem ao grande músico e compositor!

Celijon Ramos disse...

Caro Fig,
acho que sabemos o tamanho da perda. Às vezes tenho a impressão, quando um músico desse morre, que é como se fôssemos uma família que vai ficando mais pobre com a partida de um irmão.
Obrigado pela visita!

Celijon Ramos disse...

Érico, quando soube que Johnny Alf estava doente, sabia que não duraria muito. Mas quando a coisa acontece e você se sente parte, talvez pelo tipo de gosto musical que você desenvolveu, fica-se desorientado e assume-se que se ficou muito mais pobre.

Jorge Jansen disse...

Muito bacana sua homenagem. Conseguiu traduzir o quanto a nossa boa música ficou retida no interesse das gravadoras e que, talentos como Johnny Alf tenha ficado somente para audição de poucos.

Fafá Lago disse...

Meu dindim, de fato um perda lamentável.Uma bela homenagem. Cheia de emoção,sensibilidade, que são caracterísicas suas que mais aprecio ao longo desses 20 aninhos de convivência.
Bj

Marcelo Câmara disse...

O genial Johnny Alf

Com a partida do estelar Johnny Alf, com quem tive o privilégio de conviver e trabalhar no início dos anos 1970, escrevendo e produzindo shows, volta a se divulgar mais uma tolice, mais um falso bordão da famigerada “história oficial da Bossa Nossa”, cheia de ficções, mentiras e deturpações de toda ordem. A reincidente besteira consiste em chamar Johnny Alf de “precursor” da Bossa Nova. Grave e medonho erro. São três osprincipais compositores, os três pilares autorais, composicionais, da Bossa Nova, estética nascida na segunda metade da década de 1950. Três músicos geniais. O pianista e compositor Newton Mendonça (1927-1960), o mais importante compositor do estilo, quem mais alto e longe foi na estruturação composicional, na sistematização melódica e harmônica da Bossa Nova, quem verdadeiramente foi vanguarda, mais ousou, mais transgrediu e promoveu mais invenção. Foi grande amigo de Johnny Alf. Este foi quem, pela primeira vez, me falou de Newton, e com muito entusiasmo, carinho e admiração. O outro é Tom Jobim (1927-1994), primeiro e fundamental parceiro de Newton, que a este sobreviveu 34 anos e com quem formou a principal dupla criadora da Bossa Nova. A parceria New-Tom compôs os hinos, as fundamentais e mais influentes matrizes da Bossa Nova. E o terceiro pilar, anterior a Newton e Tom, e deles mestre, foi Johnny Alf (1929-2010), pianista virtuosíssimo, cantor único e compositor precioso, que cometeu as primeiras ousadias melódicas, harmônicas e rítmicas e, mesmo antes da batida definidora de João Gilberto, é responsável pelas criações basilares do estilo. Negro, pobre e órfão de pai, nascido no Morro da Mangueira, Alfredo José da Silva, filho de uma empregada doméstica, criado em Vila Isabel, incrivelmente parece ser a mais nobre dissonância, culta, sofisticada e afinadíssima, de um tipo de música que surgiu entre os meninos brancos, de classe média alta, da Zona Sul carioca. O sintetizador de todo o processo desenvolvido na década de 1950, o criador do novo ritmo e estilo, da batida rítmica, o definidor da revolucionária harmonia, do novo samba, foi João Gilberto (1931), discípulo também de Johnny Alf. Os jovens Newton, Tom e João Gilberto, assim como Carlos Lyra, Menescal, João Donato, Luiz Eça, Ronaldo Bôscoli, entre outros, formavam a mais assídua platéia do pianista e cantor Johnny Alf nas boates Mandarim (onde revezou com Newton), Clube da Chave, Drink e Plaza. As canções de Johnny Alf, Newton Mendonça e Tom Jobim favoreceram e estimularam a revolucionária criação de João Gilberto. As músicas dos três compositores se adequaram perfeitamente à forma de João Gilberto tocar e cantar. Suas estruturas e características pareciam ter sido feitas especialmente para João, que as acolheu, assumiu-as, vestiu-as com a nova batida e inusitada interpretação, e construiu definitivamente a estética, transformando o baiano de Juazeiro no maior e insuperável intérprete da Bossa Nova. Tom Jobim declarou, por algum tempo, que, se querem dar “um pai” à Bossa Nova, ele é Johnny Alf.

APÓSTOLO disse...

Seu MARCELO CAMARA sabe das coisas.
É muito bom quando se colocam os pintos nos "iii's".
Nos mais recentes 10 a 15 anos tenho sofrido com tantos e tantos caronas e novidadeiros que "participaram" da criação da Bossa Nova, ou que "escreveram sobre a verdadeira história" da Bossa Nova.
A cada festival, show, comemoração de tais ou quais tantos anos da Bossa Nova, surgem intérpretes os mais estapafúrdios, o mais das vezes sempre os mesmos que compram vaga em todos os espaços possíveis, com fantástico apoio da mídia = e se apresentam como participantes da Bossa Nova da primeira hora; é triste.
Enfim.....

APÓSTOLO disse...

....pingos nos "iii's".....

Celijon Ramos disse...

Peço desculpas pelo atraso nas minhas respostas aos comentários. Estou muito envolvido com a produção da temporada de Augusto Pellegrini no bar Marísco e tem faltado mais tempo.
Mas Apóstolo e Marcelo Câmara têm toda a razão. Alías, seus comentários são veredadeiras aulas espontâneas.
Gostaria de te agradecer Apóstolo por nos permitir desfrutar de teu conhecimento, carinho, hospitalidade e de tua companhia. Vocês encheram meus coração de alegria e aos de meus amigos também, Érico e Washington.
Um abraço fraterno.