sábado, 7 de julho de 2007

Zé Raimundo, o Bola


Zé Raimundo, o Bola.

E pensando a vida sobre o que se fez, pego-me lembrando sobre vários de meus amigos e sobre o que fizemos a respeito de nós. E sobre Zé Raimundo, o Bola, em específico.
Parece que somos personagens de um filme de nossas vidas ou de nós mesmos.
De todos nós da turma do apartamento do Arlindo, como Érico nos cunhou, ele se tornou amigo de um jeito especial. Uma extensão que precisa de seus novelos pra se entender.
Naquela época lá pelos fins dos anos 80, ele era amigo mais presente de Elmo, irmão do Érico; estavam sempre bolando alguma coisa pra se divertir. A gente gostava muito do Elmo porque era legal, antenado e começava a pintar uns quadros bacanas - transava bem arte e artesanato. Aliás, creio que devia continuar desenvolvendo a verve da criação. Além disso, o cara namorava a Lulu, irmã do amigão Gil e que era a maior simpatia. Precisava mais, então!
Mas o que queria dizer mesmo, é que eles se curtiam numa amizade boa. Como disse, conheci o Zé porque era amigo do Érico e freqüentava a casa deles, assim fiquei amigo de Elmo e de seus amigos, ou os que ele levava à sua casa, o Zé. Pronto.
Cara legal.
Eles viviam o mundo deles por serem mais novos, acho. Bem, a gente o nosso cheio de buscas sonoras quase estéticas, meio atrapalhadas e tudo isso bem sorvido e consumido em bebidas e altos papos que iam madrugada a dentro; e eu não sei bem como os dois resolviam o dia-a-dia deles, mas à noite sempre nos encontrávamos invariavelmente no Taberna Sete, onde Zé virou gerente. Um bar legal de boa música, a maioria delas gravadas em K7 por Érico para nosso deleite e que nos recebeu bem não sei quantas vezes noite a dentro, madrugadas afora, muitas vezes dias de nossas diabruras. Mas lá o Zé, mantendo-se firme. Mais que gerente, defendendo nossa pele dura, afinal é melhor ser amigo que ser rei.
Mas o problema da vida é quando o caldo entorna. Aí a vida de qualquer um vira um inferno. Menos a do Zé, pois o AVC que o acometeu e que lhe trouxe várias limitações físicas e profissionais a ponto de contribuir para perder o emprego, não foi capaz aniquilá-lo, apesar do caos na vida revirada de uma hora pra outra. Manteve-se firme, à tona.
Poderia chamar aquilo de black out. A doença. O desespero. A distância de muitos... O frio, o medo. E isso te corta e não consegues mais caminhar, trabalhar nem no pensamento; ceifa-te a moral. Se consegue olhar a tua volta, o que vês é cair, tropeçar; é desaprender qualquer direção de rua, beco, viela e desespero. É uma rotação que ninguém pode criticar.
Mas se há a dor, ele consegue ladear lutando. Perder não é uma palavra possível porque só o que há fazer é seguir, uma grande vitória para quem quer continuar andando em pé. Assim deve ter pensado o Zé.
A partir de então, viu-se numa vida de privação. Faltava-lhe de comer, remédios, dinheiro e várias pessoas que ficaram pelo caminho, além de outras mazelas adquiridas no meio da vida. Mas, ao longo do tempo, por ter sido sempre decente, companheiro, nunca lhe faltou carinho, ajuda dos mais próximos e até voltou a trabalhar por breves momentos. Isso porque jamais se contentou só com a ajuda necessária dos amigos, queria mesmo era trabalhar.
Uma pessoa dessa dignidade e ainda assim capaz de causar surpresa. Pois é. Apesar da privação, dificuldades de locomoção e dinheiro quase nenhum, o rapaz ainda encontra forças de não sei onde e lidera visitas a empresas ou a quem possa para angariar doações de cestas básicas, roupas e que mais se puder para entidades de pessoas mais carentes. Consegue um montão e minimiza o sofrimento de uma porção de gente.
Assim encontrei Zé na minha última visita que lhe fiz e me surpreendi. É impressionante e comovente sua grandeza. E nesse mundo tem tanta gente que nem ajuda, só tenta derrubar. Só não ao Zé.

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