sexta-feira, 26 de junho de 2009

O BAR DO LÉO, A NOSSA PRAÇA ONZE!


Querem acabar com a nossa praça onze – o Bar do Léo. A letra da antiga canção de Herivelto Martins e Grande Otelo revela a destruição do berço do samba carioca, a Praça Onze, quando o prefeito do Rio quis remodelar a cidade pela construção de novas avenidas. Nas imediações da Praça, situava-se a Casa da Tia Ciata, que foi onde o samba, como o conhecemos hoje, nasceu pelas mãos de músicos como Donga, Hilário Jovino, Caninha, Pixinguinha, João da Baiana, Heitor dos Prazeres e Sinhô. Foi lá que Pelo Telefone, cantada por Bahiano (primeiro registro fonográfico de samba, gravada em 1916 e que fez sucesso no carnaval de 1917) foi coletivamente criada e, só depois, recolhida por Donga e Mauro de Almeida que a registraram na Biblioteca Nacional.

No caso do Rio de Janeiro, a destruição da praça não conseguiu solapar a música popular. Isso porque o samba já tinha ido ao Estácio, a São Carlos e à Vila Isabel, configurando o que passou a chamar-se samba moderno, cujos grandes criadores são Bide e Ismael Silva. Noel Rosa também faz parte desse time de inovadores, depois Wilson Batista e Geraldo Pereira. Entretanto, foram Bide e Ismael Silva que introduziram, entre outras novidades, o tamborim e a cuíca que modificaram a cadência do samba, o tornando mais acelerado. Não era à-toa que Francisco Alves, o Chico Viola e Mário Reis subiam o morro para adquirir as novidades dos sambas daquela turma. O mais emblemático desta ação era Francisco Alves. Decretaram, mesmo sem o saber, os compositores do morro o fim da supremacia do samba-amaxixado da primeira geração de sambistas. E foi este samba que simbolicamente foi eclipsado pelo fim da famosa Praça Onze.
Pois bem. Aqui, em São Luís, querem fazer algo semelhante a esse simbolismo aos músicos, poetas, cantores, intelectuais, boêmios e bebuns da cidade, porque estão querendo acabar com a nossa Praça Onze, o Bar do Léo. O problema é que por aqui nada há a substituir, pois nada há de novo ou moderno. A tentativa tosca não é nova, mas agora está amparada por ato da burocracia do governo do Estado, que, por interesses escusos, teima em não renovar a permissão de funcionamento do bar.

O Bar do Léo remonta a 1979, quando era apenas uma lanchonete em que se ouvia a boa música de seu Leonildo Martins. Está situado desde então no Hortomercado dos Vinhais há, portanto, 30 anos. De lá pra cá, o seu Léo tem-se mostrado um organizador da música brasileira e especial da cultura maranhense. Ele transformou o bar, não num museu como muitos insistem, mas numa casa viva que revela a produção da vida dos maranhenses, quer pelos seus objetos de trabalhos, mas também pelos da vida prazerosa e pelos de ludir.
Seu Léo é um curador da cultura maranhense e a expõe graciosamente aos frequentadores do bar. Antes de ficar bem alto pela ingestão das invariáveis misturas de cervejas ou cachaças temperadas, aquelas consumidas na progressão das mais geladas até as muito quentes por obra de algum erro de cálculo do manager Léo, ou quando o sol a nos sorrir manda-nos para casa fazer alguma outra coisa, é então que o visitante pode viajar pelos rincões do Maranhão através da riqueza de seu artesanato (rendas, palhas de babaçu, buriti e outras fibras). Na mobília e nos objetos decorativos do bar, estão presentes elementos que revelam o modus vivendi do cidadão comum desta terra, os quais são indispensáveis à reprodução da vida no dia-a-dia de vastas camadas da população pobre.

Existem lá, impecavelmente organizados pela mente de arquiteto de Léo, pilões, tapitis, alguidares, cachos de coco babaçu, buriti e de juçara, esteiras de palhas (babaçu) que ainda fazem vez de porta ou cama em muitos casebres pelo interior do Estado; rede de pesca, pulsares, lamparinas, lampiões, bules, pinicos, barcos, canoas típicas da região, armadores de rede, apitos para caça, ninhos de passarinhos; há papagaios para empinar, tambores do tambor-de-criola para entoar, bois do bumba-meu-boi, burrinhas, penachos de índios, itens da Festa do Divino Espírito Santo e muitos instrumentos como piano, saxofone, clarineta, flauta violões, violinos, pandeirões, reco-reco e agogô. Mas não só. A casa registra a vida cotidiana das pessoas também pela evolução tecnológica refletida nos equipamentos. Por exemplo: as mesas são sustentadas por base de ferro que são pés de máquinas de costura. Já flagrei marcas do tipo Elgin, Leonan, Singer, Vigorelli... Mais que simples pés de máquinas, aquelas mesas sustentam a memória afetiva de muitos dos frequentadores – quem ao vê-las não se lembra de sua mãe cosendo fazendas compradas nas grandes lojas da Rua Grande, no centro da cidade? Eram calças, camisas, vestidos ou blusas que vestiam estes corpos e almas que agora, ao degustar uma deliciosa tripinha de porco, tira-gosto carro chefe da casa, regada a goles generosos de cerveja, tinham a certeza de pertencer a um passado que nada lhes tiraria. Há uma profusão de telefones seculares, televisores a válvulas (Telefunken, Colorado, Empire, marcas de uma vida), celulares primevos, gramofones, gravadores, filmadoras, toca-discos à pilha e muitas radiolas. E tudo ainda funcionando.

Certa vez, me entediei num aniversário e fugi para o Léo. Eu, Fafá e Benedito, tio dela. Pedi uma cerveja e puf. Faltou energia. Sem problemas. Léo acendeu os lampiões, pôs um toca-discos sobre o balcão, abasteceu-lhe de pilhas e o pôs a tocar Orlando Silva em 78 RPM para nós ouvirmos. Depois disso, eu que iria voltar para o aniversário? Jamais!

Como se tudo isso fosse pouco, o que notabiliza mesmo o Bar do Léo é a sua música. Tanto em quantidade quanto em qualidade. Ali não há música feia. Nunca ouvi e olha que sou frenquentador assíduo e com orgulho. Qualquer tentativa de qualquer consumidor desavisado é logo rechaçada pelo atento Léo, que explica que “esse tipo de música não toca na casa”. O incauto vai logo embora atentar em outra freguesia. Queria mais o quê. Vade retro....
Mas quem melhor define o Bar do Léo, ao meu ver, é Fafá. Ela conceitua-o como um bar para ser entendido. Ou seja, não é qualquer pessoa que pode ser um habitué. Um, por assim dizer, conviva do bar. É necessário, segundo ela, que o indivíduo possua uma sensibilidade cadente dentro de si. Pois quem vai ao Léo, não o faz meramente para um happy hour ou um bate papo descuidado. Faz por apreciar cada introdução, cada nota, a pausa de respiração do artista, a conversa amiúde dos instrumentos por ser um singular ouvido da música.

Mas o bar possui suas tipicidades: houve tempo em que paquerar por lá era coisa quase que impossível, posto que a maior afluência no recinto era do público masculino. Muitas vezes, quando uma moça adentrava, sentia-se pouco à vontade dada a enxurrada de olhares masculinos em sua direção. Desistia logo. Volta e meia e ia embora. Contribuía para isso o fato de até hoje existir placa com advertência: É proibido dançar. Segundo ele, pra evitar bagunça. A coisa agora já está mais democrática.

Mais objetivamente, o Bar do Léo precisa ser entendido no sentido que é uma casa em que a estrela principal é música. E só ela. Serviços de atendimento, cortesia das garçonetes e variedade de tira-gosto tudo isso são itens que ainda merecem melhorias. Mas, sou testemunha, já melhoraram bastante. O fundamental mesmo é a música. Não é raro que ao final da execução de alguns cantores, como Nelson Gonçalves ou Maysa, irrompam aplausos de todas as mesas como se o artista estivesse se apresentado ao vivo. E sabe de uma coisa, está mesmo. Todos aqueles aplausos são dirigidos pra seu Léo que sorrir pelo canto da boca. Ele conseguiu emocionar, desse modo, as pessoas com sua seleção de música daquela noite. Incrível.

Tem músicas que tem a cara do bar. Invariavelmente quando estou na minha mesa, sempre Léo põe na vitrola “Me Ne Quitte Pas” (Jacques Brel) com Maysa, depois com Nina Simone. Alguma coisa de Márcio Greyck e, sempre, que peço ouço bons discos de jazz. Uma honra. Acho que sou um dos poucos que têm essa deferência, mas ele gosta também de jazz. “Por una cabeza”, de Alfredo Le Pera por Carlos Gardel, é tocado quando Fáfa está à mesa. De música em música ele vai contagiando e emocionando seus clientes. Mas a música favorita desse homem pelo que pude perceber é mesmo a jovem guarda.

Faz isso porque possui uma das maiores coleções de vinis, fitas cassete e cds que tenho conhecimento. Não sucumbiu ao mundo dos mp3, até por que perderia a graça e desempregaria seus tão bem conservados aparelhos de som. Léo tem uma fantástica coleção de K7. São fitas de músicas gravadas como se fazia antigamente, cada fita devidamente acondicionada em gaveteiros. É impressionante como ele localiza de cor qualquer música que precise para ouvir-se em qualquer momento. Lá vai ele e cata a fita certa no gaveteiro. Não sei precisar quantos disco em vinil existem no acervo do homem. São milhares, produtos de compra ou doação que ele vem acumulando ao longo dos anos e de quase todos os gêneros: mpb, samba, choro, coco, xote, xaxado, baião e merengue. Bolero, samba-canção, música erudita, bossa nova, jovem guarda, jazz e rock. Já ouvi no Bar do Léo choros compostos lá pelos idos 1880. Discos raros e muitos outros. E tanto quanto sei lá de CDs. O homem é um verdadeiro pesquisador. É o nosso Almirante.

Fico pensando quão mal amada e apenada é a alma desse burocrata de plantão. É a síntese desse ser-cancro que odeia a beleza porque não pôde alcançá-la. Vai ver foi uma daquelas pessoas do “sinto muito, mas não tocamos esta música aqui na casa” que miseravelmente agora quis se vingar. Vade retro!

12 comentários:

Érico Cordeiro disse...

Caro Celi,
Lamentável que nessa altura da vida o Léo esteja passando por essa barra pesadíssima.
Embora faça muitos anos que não freqüento aquele espaço, não há dúvidas de que ele é um lugar único, que faz parte do panorama cultural de São Luís. Em nenhum outro local se pode ouvir tamanha quantidade e qualidade musical.
Acho que você e o Ricarte têm razão - é preciso fazer alguma coisa para evitar que o Léo seja desalojado dalquele espaço.
Estranho o argumento da burocracia estatal: só agora perceberam a inadequação do bar ao hortomercado, depois de quase 30 anos?
Agora, que os tira-gostos dali precisam ser melhorados, isso sem dúvida!!!!!!!
Um abração!

ricarte disse...

Queri Celijon,

Seu texto é maravilhoso, rico, detalha com cores fotográficas e sonoras a ambiência e o caráter daquela aprazível casa. Só me permite, apenas um reparo, nem sei se é reparo, uma qestão, eu diria: A noção que se tem de museu hoje, o conceito que se trabalha na construção dos novos é de algo vivo, interativo, atualizável permanentemente. Vide o museu da Lingua prtuguesa em Sampa e outyro no mundo. Daí, a meu ver, empregar-se com perfeição ao BAr do Léo. Sem oferecer-lhe nehuma conotação de atrazo, estático. Poderia ser chamado de MUseu da mùsica Brasileira... ou algo similar.
grande abraço

Rita Cardoso disse...

muito bom o texto...é isso, o bar do léo é nossa referência de música boa, das melhores em nossa são luis....quando estive ai nesses dias de maio e junho, o léo me falou que alguém havia reclamado que ele só colocava música de "velho", ai ele retrucou que a música era também pra quem tinha bons ouvidos...eu concordei e completei....apenas para aqueles de bons ouvidos...salve, léo....salve, celijon!!! beijos e saudades....

Celijon Ramos disse...

Queridos Érico, Ricarte e Rita vocês têm razão. O Léo é mesmo um museu vivo desses que o Ricarte falou. Rita realmente só existe porque ainda há gente de bons ouvidos e sensibilidade que pode capitar a beleza daquele lugar e, meu compadre, os tira-gostos têm que muito melhorar.

Um grande beijo para os três!

figbatera disse...

Puxa vida, um lugar como este não pode acabar nunca; que o povo daí reaja e não deixe de isto aconteça.

Celijon Ramos disse...

É querido Fig, o Bar do Léo é um lugar especial onde se respira música o tempo todo. Estamos vendo o problema pela lado do Direito. Há bons amigos já cuidando do caso. Mas também vamos dar visibilidade ao caso seja através de manifestações públicas, imprenssa ou como minha singela contribuição aqui no blog.
Obrigado pela visita e comentários.
Um dia sei que viras conhecer São Luís, então ouviremos muita boa música no Léo. Eu, você e o Érico.
Um grande abraço!

Salsa disse...

Prezado Celijon,
Infelizmente, o inexorável movimento da infâmia se propaga por todos os recantos do nosso Brasil varonil. Quem sabe construirão no local mais um memorial em homenagem ao grande Sarney? O maranhense há-de resistir. Espero. Uma terra que produz alguém como Tânia Maria não pode se dobrar à galopante sacanagem.
Mando daqui um abraço ao Leo e ao bar.

Marta Bellini disse...

Lindo Blog e linda música!
abraços

Marta

Celijon Ramos disse...

Salsa, estamos na defesa do Bar do Léo para impedir que a especulação imobiliária ganhe mais uma. Ao que parece esse é o verdadeiro inimigo a quem estamos combatendo. Estamos mobilizando a opinião pública, pressão política e também na justiça.

Marta, que bom que gostaste do blog . Sinta-se à vontade, a casa é sua. Eu adorei seu blog e já o visitei hoje.

Um grande abraço aos dois!

Anônimo disse...

Estimado Celijon,

Lembras de quando nos conhecemos, ainda nos anos setenta e ainda meninos quando orgulhosamente desfraldavamos conhecimento, um para o outro, da nossa representação nacional no basquete?
Marquinhos, Carioquinha, Guerrinha e os iniciantes Marcel e oscar? pois é, vem de lá este meu encantamento pelas nossas trocas de energia(só isso). adimiro-te carinhosamente desde lá.
Degustei o teu texto acerca do
nosso Bar do Léo.
Sinto-me orgulhoso por ler uma interferencia tão madura e encorpada sobre este espaço tão nosso e tão de todos aqueles que conseguem perceber a beleza das COISAS.
O Bar do Léo é o nosso refúgio.a celebração da estética musical com pessoas que gostamos é primordial para continuarmos sendo.
Valeu.
Continuemos a resistir.

Celijon Ramos disse...

Claro Washington. Nossa amizade se construiu ali naqueles momentos. Vou citar mais alguns nomes do basquete que jamais sairão da minha cabeça. Que saudades do Ubiratan, do Adilson, Gilson, da Vânia e da Suzete. Estou vendo nossa equipagem verde-amarela em listras. Para mim um clássico que jamais poderia ser substituída. Não ome esqueço dos jogos entre Sírio x Francana. É uma torrente na memória.
Obrigado pela visita pelo comentário carinhoso. Legal que tenha gostado do texto. Temos que defender nosso torrão,claro, o bar do Léo. volte sempre porque a casa é sua.
Um abração, meu amigo!

Anônimo disse...

Bar do seu Léo..me traz recordações de um grande Amor..amante de música de qualidade, freguês que sabe curtir e valorizar, cada música que ali ouvi...Meu Regis,meu grande Amor, que um dia me fez conhecer o bar do seu Léo, e na sua companhia maravilhosa eu pude ouvir viver e sentir ..As músicas que alí são tocadas...Para sempre em minhas lembranças..